Observatório do TIT: substituição tributária e o ônus probatório
Nesta coluna comentaremos acórdão obtido no AIIM n. 4102284-1, proferido pela 10ª Câmara Julgadora do Tribunal de Imposto e Taxas (TIT), que julgou procedente Recurso Ordinário interposto pelo contribuinte. O acórdão em debate cancelou autuação que cobrava ICMS apurado sob o regime da substituição tributária e multa em decorrência de operações de saída de solventes.
I – Contornos fáticos-processuais
O contribuinte, um atacadista de produtos químicos, deu saída de produtos (em sua maioria solventes) para seus clientes, que os utilizaram para (i) uso e consumo ou (ii) industrialização de tintas.
Por conta de regime especial outorgado pela SEFAZ/SP, previsto na Portaria CAT 16/2012, o contribuinte assumia a condição de substituto tributário em relação ao ICMS devido nas etapas subsequentes.
O entendimento do contribuinte, contudo, era de que o ICMS-ST só passaria a ser devido no caso de seus clientes derem saída subsequente. Nas vendas a consumidores finais e industriais, portanto, não recolheu o ICMS-ST.
Em entendimento oposto, a Ilma. Fiscalização, após análise dos contornos fáticos do caso, lavrou autuação cobrando ICMS-ST e multa do contribuinte. A justificativa para a exigência foi que os destinatários teriam objeto social de comercialização, o que atrairia a presunção de ocorrência de operações subsequentes com os solventes adquiridos.
O contribuinte apresentou defesa administrativa, em que, dentre outros pontos:
- Defendeu a não incidência do ICMS-ST nas vendas para consumidores finais e para industriais que integração os produtos em processos de industrialização;
- Sustentou a inexistência de previsão legal que presuma a ocorrência do fato gerador do ICMS-ST pelo simples fato de o adquirente ser empresa comercial (de modo que a prova da revenda deveria ter sido feita pelo Fisco);
- Argumentou que, ainda que haja presunção de revenda pelo fato de os clientes serem empresas comerciais, tal presunção não pode ser absoluta, cabendo a dilação probatória por parte do contribuinte; e
- Juntou declarações de clientes nas quais eram informadas a destinação de uso e consumo ou de integralização no processo industrial das mercadorias.
Adveio decisão de 1ª instância que acolheu parcialmente a defesa administrativa, para excluir operações realizadas com clientes que possuíam o objeto social de indústria de tintas.
O contribuinte apresentou Recurso Ordinário, por meio do qual reiterou seus argumentos apresentados na defesa e promoveu juntada de novas declarações.
O recurso foi distribuído à 10ª Câmara do TIT. E, após a 1ª sessão, houve a realização de diligência para tratar das declarações juntadas nos processos.
Após sucessivas assentadas (decorrentes de pedidos de vista) e recomposição do corpo de julgadores da 10ª Câmara, foi proferido acórdão que, por unanimidade, proveu o Recurso Ordinário e cancelou a autuação.
Não houve interposição de Recurso Especial, ocorrendo, assim, trânsito em julgado.
Examinemos, a seguir, o acórdão.
II – Resumo do Acórdão
O voto do Relator assenta duas premissas para endereçar o mérito do caso:
- Não incidirá a substituição tributária se o substituto vender o produto para uso e consumo do adquirente ou mesmo para integração a processo industrial na etapa subsequente (artigo 264, inciso I, do RICMS/SP); e
- Pela finalidade da Portaria CAT n. 16/2012, quis a SEFAZ/SP atribuir a condição de substituto às indústrias que dessem saída de solvente a contribuintes atacadistas ou varejistas desses produtos. Mas, no âmbito de cada operação, seria necessário verificar a destinação das mercadorias.
Em cima desses pressupostos, o voto constatou que a fiscalização não executou diligências nos clientes do contribuinte para averiguar a utilização final das mercadorias. Verificou, também, que o trabalho fiscal se valeu apenas de “mera pesquisa cadastral” do objeto social dos clientes para exigir o destaque do ICMS-ST. Em contrapartida, o voto identificou, em linhas gerais, que:
- As declarações de alguns clientes seriam suficientes para colocar em xeque a presunção sobre a exigência do ICMS-ST;
- Em relação a outros destinatários que não emitiram declarações, foi possível constatar que suas atividades seriam de indústria de tintas, vernizes, esmaltes e lacas. Bastou a análise do contrato social destes e uma pesquisa de endereços pelo Google Street View, a fim de identificar a capacidade e o caráter industrial de cada estabelecimento; e
- Haveria operação com armazém que destinou as mercadorias para operação interestadual.
Assim, concluiu que o contribuinte logrou êxito em demonstrar a interrupção da substituição tributária. Segundo o decidido, não seria possível exigir do contribuinte prova negativa de algo que não existiu; e que o momento da juntada de provas seria pertinente.
Passemos aos nossos comentários.
III.i – Relativizando a presunção da substituição tributária
Como bem sabemos, a substituição tributária é um mecanismo de atribuição de responsabilidade para recolhimento do ICMS. A finalidade do regime é justamente facilitar a fiscalização e a arrecadação tributária, a fim de que o ente tributante não tenha o trabalho de cobrar o imposto em cada etapa da cadeia.
Nada obstante, o instituto não implica a presunção absoluta de que haverá uma cadeia de operações que justificaria a tal atribuição de responsabilidade tributária. Tampouco exime o ente tributante fiscalizar os destinatários das saídas de mercadoria.
O caso concreto reforça, portanto, a máxima jurídica de que todas as presunções não são absolutas; e podem muito bem ser desconstruídas mediante prova.
Na hipótese colocada em debate, o acervo probatório suficiente a desconstruir a narrativa do Fisco foi o conjunto de: (i) declarações dos destinatários; (ii) contratos sociais; (iii) descritivo e a finalidade técnica dos produtos; e (iv) uma pesquisa nos endereços de alguns clientes.
Outro ponto fulcral do acórdão é de o que não se poderia partir de presunção (mesmo que relativa), o que autorizaria a inversão do ônus da prova. Segundo o julgado, a fiscalização tinha o ônus de provar a existência de revenda por parte do adquirente, sendo equivocada a conclusão pela incidência do ICMS-ST apenas pelo objeto social de comercialização do destinatário.
III.ii – Vedação à prova diabólica
Nos chama a atenção, ainda, que o peso da prova trazida pelo contribuinte reclamou a aplicação da moderna teoria da carga dinâmica do ônus probatório. Tal teoria se encontra prevista no artigo 373 do Código de Processo Civil (diploma este que é aplicável ao contencioso administrativo em caráter subsidiário) e prevê a distribuição do ônus da prova a quem efetivamente couber e poder produzi-la.
Tanto é assim que o voto condutor afirmou que exigir do contribuinte qualquer outra prova de que não existiu operações subsequentes à saída seria o mesmo que exigir a malfadada “prova diabólica”, o que seria vedado pelo artigo 373, §2º, do CPC.
III.iii – Momento oportuno para apresentação de provas no processo administrativo tributário
Por derradeiro, nota-se que o acórdão admitiu as declarações dos clientes apresentadas em momentos processuais posteriores ao da defesa administrativa. O julgado, nesse caso, relativizou a regra da legislação estadual de que as provas deveriam se apresentadas no primeiro momento oportunizado ao contribuinte para manifestar-se e provar suas alegações.
Os critérios para aceitação do acervo probatório foram os seguintes:
- Não houve exigência de apresentação dessas provas na fase preliminar à lavratura do auto de infração;
- As declarações não dependiam de esforço unilateral do contribuinte, pois estas dependiam de terceiros;
- O processo administrativo é regido pelo princípio da verdade material, segundo o qual a forma exagerada não pode se sobrepor ao conteúdo; e
- As provas foram apresentadas em momento aparentemente inoportuno sem evidenciar intenção de desídia ou de atrasar o processo tributário.
IV – Conclusões
Em síntese, o acórdão aqui debatido, em nossa avaliação, reforça postulados importantes para os lançamentos tributários e para o processo administrativo, quais sejam:
- O regime da substituição tributária não se presume a qualquer custo;
- O processo administrativo fiscal evolui na medida em que os institutos processuais aplicáveis a outros ritos são incorporados na jurisprudência do TIT;
- O momento processual para apresentação de provas não é estanque, desde que existam critérios plausíveis para sua aceitação e que elas guardem pertinência para compor a verdade material do caso julgado.
Identifica-se um precedente importante à relação processual entre fisco e contribuinte e ao postulado da prevalência do conteúdo sobre a forma na recepção e avaliação das provas.
*Fonte: jota.info
Carlos Eduardo de Arruda Navarro
João Vitor Kanufre Xavier da Silveira