Guerra fiscal na tributação de softwares no Brasil
No âmbito nacional, empresas que comercializam softwares a terceiros enfrentam, há alguns anos, diversos impasses no que tange à tributação do seu produto. Isso porque há uma controvérsia acerca do conceito de software (programa de computador) para fins tributários: Trata-se de bem imóvel incluso no conceito de mercadoria, ou bem móvel para negociação, ou prestação de serviço?
Além desta discussão, no Brasil subsiste também uma desavença em torno do conflito de competência tributária entre os Estados e Municípios. Sem dúvidas, tais debates existentes dificultam diretamente o crescimento do setor de tecnologia, o qual não possui certeza acerca de seus custos tributários e, ao mesmo tempo, sofre com a falta de segurança jurídica a respeito da aplicação das leis vigentes.
De certa forma, isso inibe o investimento estrangeiro no país, porque as empresas estrangeiras de inovação, tecnologia e desenvolvedoras de softwares, querem estar seguras acerca das regras que lhe serão aplicadas e sem dúvidas a respeito da tributação que incidirá em seus produtos e/ou serviços. Caso contrário, projetos de diversos lugares do mundo e com o interesse em investir no país desistirão ou deixarão de arriscar pelas incertezas sobre o assunto.
O maior ponto de discussão é que a comercialização de softwares não se encaixa devidamente na definição clássica de serviço e nem de produto. À vista disso, este cenário traz dúvidas sobre a incidência do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), do Imposto sobre Serviços (ISS) ou de nenhum dos dois.
Dada a relevância do tema, é preciso examinar mais detalhadamente o conceito de software, as possibilidades de incidência tributária e os principais entendimentos e normas já emitidas e previstas para regular a situação.
A definição legal de software como sistema operacional pode ser encontrada no artigo 1º da Lei 9.609/98, a qual dispõe sobre a proteção da propriedade intelectual de programa de computador e sua comercialização no país. Assim, pode o mesmo ser entendido como a inclusão de programas em um sistema computacional que aceitem comandos do usuário e forneçam serviços desejados ao usuário e aos programas anteriormente instalados.
Assim, encontram-se algumas hipóteses possíveis no momento que é dividido os tipos de softwares existentes:
Primeiramente, o software é classificado quanto a sua forma de distribuição. Software disponibilizado através de suporte físico, ou seja, licenciado através de pen drive, CD-ROM, entre outras formas, sofrerá a incidência de ICMS, imposto estadual, com alíquota que varia de Estado para Estado.
Já o software disponibilizado através de download, sofrerá a incidência de ICMS, porém, normalmente, possui uma alíquota menor.
Uma segunda classificação é quanto a forma que o software é comercializado. Quando o software é fornecido como SaaS (software como serviço), com possibilidade de customização ou não, sofrerá a incidência de ISS, imposto municipal, com alíquota que varia de Município para Município. Ainda neste caso, alguns Estados brasileiros taxam ICMS sobre esta modalidade de software.
Caso o software seja disponibilizado sob encomenda, ou seja, feito exclusivamente sob demanda de um cliente específico, sofre a incidência de ISS.
Ainda quanto a forma de comercialização, o software pode ser distribuído através de licenças, onde o mesmo programa é usado por diversos clientes (sem customizações), que recebem licenças de uso. Neste caso, existirá a incidência de ICMS sobre a comercialização da licença.
Conforme acima exposto, existem diversas possibilidades de incidência tributária, as quais variam de acordo com a situação e podem gerar um impacto fiscal ao modelo de seu negócio. Esse confronto entre Estados e Municípios, acaba por obrigar determinadas empresas com modelos de negócio inovadores a pagar tanto o ISS quanto o ICMS, como, por exemplo, o Netflix e o Spotify.
Não apenas o Netflix e o Spotify, o uso constante de tecnologia de software para fins exclusivo de serviço vem sendo encontrado em aplicativos de transportes, como o Uber e Cabify, nos aplicativos de hospedagem, como o Booking e Airbnb, no setor de finanças, como em Bitcoins, entre outros.
Se não fosse o suficiente as hipóteses acima elencadas, existe situação diversa que também sofre atualmente com incertezas no momento de sua tributação. A SAP (Software Applications and Products), uma das maiores empresas fornecedoras de sistemas ERP (Enterprise Resource Planning) do mundo, desenvolveu um software único que pode ser adaptado e configurado para ser utilizado em qualquer empresa, independentemente se ela for uma indústria, uma rede de lojas, ou um escritório de consultoria.
Neste caso, questiona-se: estamos diante de um software disponibilizado sob encomenda, um software customizado vendido como SaaS, ou uma simples licença de software?
Não obstante os esforços do governo para regular a tributação de softwares, nota-se que as legislações ainda são conflitantes e deixam em aberto várias questões sobre o assunto. Já foram emitidos diversos entendimentos e normas previstas para regular a situação, como o entendimento do STF em 2012, em caráter liminar, de que as operações realizadas por download estariam sujeitas ao ICMS.
A Lei Complementar nº 116/2003 previu, na lista tributável pelo ISS, a incidência do imposto no licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação. Os ministros da 2ª Turma do STJ, nos autos do Recurso Ordinário nº 5.934/95-RJ, decidiram que os programas de computação, feitos por empresas em larga escala e de maneira uniforme são mercadorias de livre comercialização no mercado passíveis de incidência do ICMS. Já os programas elaborados especialmente para certo usuário exprimem verdadeira prestação de serviço sujeita a ISS.
O Convênio ICMS nº 181 de 28 de dezembro de 2015, celebrado pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), determinou que o ICMS incida sobre 5% do valor das operações com software. Já o Convênio nº 106 de 05 de outubro de 2017, buscou trazer os parâmetros faltantes e regular vários aspectos da cobrança de ICMS nas operações com software, como, por exemplo, a tributação no estado do consumidor final do software.
O Decreto nº 63.099 de 22 de dezembro de 2017 introduziu alterações no regulamento do ICMS do Estado de São Paulo, prevendo diversos bens ou mercadorias digitais que ficam sujeitos à incidência do ICMS.
De fato, essa discussão se estenderá até que surja uma legislação definitiva sobre o assunto e que sirva para todo o território nacional. Até este momento chegar, o embate sobre a tributação de software seguirá variando conforme as características da solução comercializada.
Importa referir que nas últimas semanas foi retomada no Supremo Tribunal Federal (STF) a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), a qual discute o regime de tributação de softwares no Brasil (ADI 5659). Todavia, o presidente da Corte pediu vista ao processo e o julgamento foi adiado.
Da mesma forma, encontra-se aguardando apreciação pelo STF, através do RE 688.223/PR, com regime de repercussão geral, a discussão sobre a tributação de software no Brasil.
As ações sobre a matéria já haviam sido levantadas outras vezes, mas foram retiradas. Essa demora no julgamento acaba por provocar insegurança jurídica em alguns estados, em que pese existir um receio no setor de tecnologia de que o Supremo julgue a tributação como válida. De uma forma ou de outra, não há dúvidas que o julgamento que está próximo trará para todos mais certezas acerca do tema e segurança na tomada de decisões futuras.
Ainda que apresentado de forma breve, é notória a importância deste tema para o direito tributário e para a economia do Brasil, tendo em vista que a confecção de uma legislação sem conflitos tributários e a pacificação do posicionamento jurisprudencial acerca do tema gerará uma maior transparência para a atração de investimentos estrangeiros e confiança nas empresas que atuam no ramo.
*Fonte: jota.info