Da tomada de crédito de PIS/COFINS sobre dispêndios com locação de veículos
O tema creditamento na apuração das contribuições PIS/COFINS sempre gera grandes discussões e questionamentos entre Fisco e contribuintes. No caso das despesas incorridas com locação de veículos não poderia ser diferente.
Por seu lado, como se verá abaixo, os contribuintes lançam mão de dois principais fundamentos para defender o crédito. O primeiro tenta equiparar o conceito de veículos automotores ao de máquinas e equipamentos e, com isso, apropriar do crédito com base no inciso IV, do art. 3º, das Leis nºs 10.637/02 e 10.833/03. O segundo busca enquadrar a locação como um insumo da atividade e, assim, possibilitar o crédito com fulcro no inciso II de mencionado dispositivo.
Cumpre destacar que a presente análise focará nos casos em que os veículos alugados são efetivamente empregados nas atividades operacionais da empresa.
Da apropriação do crédito
Um dos fundamentos legais mais comuns utilizados para fundamentar a apropriação de crédito sobre locação de veículos é aquele previsto no art. 3º, inciso IV, das Leis nºs 10.637/02 e 10.833/03, que autoriza o crédito sobre aluguéis de prédios, máquinas e equipamentos, pagos a pessoa jurídica, utilizados nas atividades da empresa.
Nesse caso, as empresas defendem o direito ao crédito sob a alegação de que veículos se equiparam a máquinas e equipamentos. Não obstante, a Receita Federal do Brasil possui consolidado entendimento no sentido de não ser possível tal equiparação.
Para melhor precisão da análise, focaremos no conteúdo das soluções de consulta expedidas pela Coordenação-Geral de Tributação (COSIT) sobre o tema. Isso pois, a COSIT é responsável pela uniformização de entendimento da RFB em matéria tributária e aduaneira, sendo que as suas manifestações possuem caráter vinculante no âmbito da Receita Federal do Brasil (RFB)[1].
Na Solução de Consulta COSIT nº 01/2014, a empresa consulente aluga os veículos para serem utilizados exclusivamente em sua atividade operacional, qual seja, o comércio atacadista de produtos eletrônicos. No caso, os veículos alugados são empregados nas visitas aos seus clientes de modo a oferecer, demonstrar e vender os produtos.
Em sua resposta, a COSIT ponderou que o dispositivo legal não pode ser interpretado extensivamente para incluir veículos automotores nos conceitos legais de máquinas e equipamentos. Ainda, a COSIT argumentou, dando alguns exemplos, que a legislação tributária sempre trata os veículos automotores de forma distinta em relação às máquinas e equipamentos.
Por sua vez, na Solução de Consulta COSIT n. 18/2020 a empresa consulente aluga os veículos para serem utilizados na manutenção e reparação de máquinas e equipamentos para agricultura e pecuária. A consulente informa que depende dos veículos alugados para o deslocamento dos mecânicos especializados, do ferramental a ser utilizado, bem como das peças de reposição, ante a impossibilidade de aqueles serem encaminhados às dependências da consulente.
Em sua resposta, a COSIT faz menção expressa ao entendimento consolidado por ela própria na supracitada Solução de Consulta 01/2014, no sentido de que não é possível o creditamento do PIS/COFINS sobre a locação de veículos.
Por seu turno, o entendimento do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) é oscilante, sendo possível localizar tanto decisões favoráveis[2] quanto desfavoráveis ao creditamento.
A rigor, as decisões desfavoráveis vão de encontro ao entendimento da RFB (descrito linhas acima) de que os veículos não se enquadram no conceito legal de máquina ou equipamento para fins de creditamento. Vejamos o entendimento já exarado[3] pela Câmara Superior sobre a questão:
SISTEMA DE APURAÇÃO NÃO CUMULATIVO. APROPRIAÇÃO DE CRÉDITOS. GASTOS COM ALUGUEL DE VEÍCULOS. IMPOSSIBILIDADE. Nos termos da legislação tributária que trata da designação e da classificação fiscal de mercadorias, veículos são bens identificados e classificados em capítulo próprio, separadamente das máquinas. Somente as despesas com o aluguel de prédios, máquinas e equipamentos, pagos a pessoa jurídica e utilizados nas atividades da empresa, dão direito à apropriação de créditos para o contribuinte. (destacamos)
(Câmara Superior, Acórdão nº 9303-009.650, sessão de 16/10/2019)
Vale mencionar que, no âmbito judicial, embora a discussão nos autos seja outra[4], há recentíssima decisão do dia 09 de março de 2021, em que a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no REsp 1.818.422/SP, adotou o mesmo entendimento defendido pela RFB de que não há equivalência entre o conceito de veículos e o conceito legal de máquinas e equipamentos.
Veja assim que pesa contra o creditamento o fato de a jurisprudência administrativa e a judicial serem, em sua maioria, desfavoráveis à equiparação de veículo a máquinas e equipamentos.
Da apropriação de crédito com base no inciso II, do Art. 3º, das Leis nºs 10.637/02 e 10.833/03 (bens e serviços empregados como insumos)
Noutro giro, argumenta-se pela possibilidade de creditamento sobre locação de veículos com fulcro no art. 3º, inciso II, das Leis nºs 10.637/02 e 10.833/03, isto é, neste caso, os veículos alugados constituíram insumos das atividades.
Sobre o tema, além das duas supracitadas Soluções de Consulta nºs 1/2014 e 18/2020, a COSIT também já se manifestou na Solução de Consulta nº 218/2019, em que a consulente aluga os veículos para serem utilizados exclusivamente em sua atividade operacional, qual seja, o transporte rodoviário de cargas. No caso em concreto, parte dos serviços de transporte é prestado por caminhões alugados de terceiros.
Todas as três manifestações da COSIT (repita-se: Soluções de Consulta nºs 1/2014, 218/2019 e 18/2020) foram desfavoráveis aos contribuintes, seja porque a atividade da empresa consulente era comercial, o que não comportaria a apropriação de créditos sobre insumos, seja porque no entendimento da RFB a locação não configura um serviço tributável, impossibilitando assim o creditamento como insumo.
Por sua vez, é possível localizar algumas manifestações favoráveis das turmas ordinárias[5] do CARF e inclusive da Câmara Superior, analisando a questão sob o prisma da essencialidade e relevância da locação dos veículos para as atividades da empresa. É o que se observa abaixo:
ALUGUÉIS. CAMINHÕES, AUTOMÓVEIS E CAMIONETAS. CUSTOS/DESPESAS. ATIVIDADES DA EMPRESA. CRÉDITOS. POSSIBILIDADE. Os custos/despesas incorridos com aluguéis de caminhões, automóveis e camionetas utilizados nas atividades exploradas pela empresa geram créditos da contribuição passíveis de desconto do valor da contribuição calculada sobre o faturamento mensal e/ou de ressarcimento/compensação do saldo credor trimestral. (destacamos)
(Câmara Superior, Acórdão nº 9303008.575, sessão de 15/05/2019)
Não é possível precisar o caminho que trilhará a jurisprudência administrativa e judicial quanto a possibilidade do creditamento sob o enfoque da relevância e da essencialidade para fins de configuração como insumos da atividade, contudo, tal argumentação nos parece ter um respaldo jurídico maior.
Com efeito, ao julgar o REsp nº 1.221.170/PR, sob o rito dos recursos repetitivos, o STJ decidiu que (i) é ilegal a disciplina de creditamento prevista nas Instruções Normativas SRF nº(s) 247/2002 e 404/2004 e que (ii) o conceito de insumos deve ser aferido, em cada situação específica, com base nos critérios da essencialidade ou relevância de determinado item – bem ou serviço – para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte.
No critério da essencialidade, enquadra-se o item (bem ou serviço) do qual dependa, intrínseca e fundamentalmente, o produto ou serviço pela empresa, constituindo elemento estrutural e inseparável do processo produtivo ou da execução do serviço, ou, quando menos, a sua falta lhes prive de qualidade, quantidade e/ou suficiência.
Por sua vez, no critério da relevância enquadra-se o item (bem ou serviço) cuja finalidade, embora não seja indispensável à elaboração do próprio produto ou à prestação do serviço (já abrangido pelo critério da essencialidade), integre o processo de produção, seja pelas singularidades de cada cadeia produtiva, seja por imposição legal.
Sob esse prisma, entendemos que seria possível defender o creditamento, argumentando que as despesas com a locação de veículos configuram insumos de suas atividades, por serem essenciais ou ao menos relevantes para o desenvolvimento dos negócios da empresa. Ressalta-se, todavia, que, como dito, o tema é ainda bastante incerto.
Ante o exposto, considerando o entendimento da COSIT sobre a matéria, reputa-se altas as chances de questionamento por parte da Receita Federal em relação aos créditos apropriados sobre os dispêndios com veículos alugados, seja sob o ponto de vista do inciso II, quanto do inciso IV, do art. 3º, das Leis nºs 10.637/02 e 10.833/03.
No CARF, o entendimento sobre a matéria ainda se encontra oscilante. Há é verdade uma tendência de que o CARF não acolha o creditamento sob o viés do inciso IV de citados dispositivos, por entender, assim como a Receita Federal, que os veículos automotores não se enquadram no conceito legal de máquinas e equipamentos.
Negativamente a esse tipo de crédito, cita-se ainda a recente decisão proferida pela 1ª Turma do STJ que negou, nos autos do REsp 1.818.422/SP, a possibilidade de equiparação de veículos a máquinas e equipamentos para fins de creditamento das contribuições.
Por outro lado, com todas as ressalvas e observações acima, cabe a avaliação da essencialidade ou da relevância da despesa com aluguel de veículos para caracterizá-la como insumo da atividade da empresa, em linha com o que ficou decidido pelo STJ no bojo do REsp nº 1.221.170/PR.
*Fonte: jota.info
RODRIGO CARVALHO SAMUEL – Mestre em Direito Constitucional e Processual Tributário, PUC/SP.