A reforma tributária e o possível impacto no setor de serviços de hospedagem
Primeiramente, nunca é demais reforçar, que uma ampla reforma tributária é um item de primeira necessidade para o Brasil, pois, precisamos, de forma urgente, melhorar o nosso ambiente de negócios, estimular investimentos e simplificar o emaranhado de normas que afligem e espantam empresários e investidores.
Diante disso, é evidente que a reforma tem que ser feita. A questão é como ela deve ser realizada. Temos que evitar, especialmente, que a almejada melhoria na sistemática de arrecadação de tributos, tenha como consequência um efeito colateral que prejudicaria, em muito, nossa economia: um aumento da carga tributária, especialmente, em atividades que não são mais capazes de absorver qualquer majoração, como é o caso do setor de serviços de hospedagem.
A reforma tributária abrange três projetos em análise no Congresso Nacional: a) o da PEC 45 – em trâmite na Câmara dos Deputados, tendo como relator o dep. Aguinaldo Ribeiro; b) o da PEC 110 – em trâmite no Senado Federal, tendo como relator o sen. Roberto Rocha; e, c) a proposta do Governo Federal, entregue pelo ministro Paulo Guedes ao presidente da Câmara dos Deputados – dep. Rodrigo Maia.
Em breves linhas, a PEC 45 propõe a extinção de cinco tributos (IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS) e a criação de um IVA (imposto sobre valor agregado), a ser denominado de IBS (imposto sobre bens e serviços), com as seguintes principais características: a) base ampla de incidência; b) creditamento financeiro; c) prazo máximo de sessenta dias para ressarcimento dos créditos; d) cálculo do imposto “por fora”; e) alíquota única (de 25%) para todas as atividades com repartição posterior entre os entes federativos; f) tributação a ser repassada ao estado/município de destino; g) criação de um Imposto Seletivo, com arrecadação monofásica sobre os produtos que se pretenda inibir o consumo; e, h) transição de dez anos.
Já a PEC 110 pressupõe a extinção de nove tributos (IPI, IOF, CSLL, PIS, Cofins, Salário Educação, CIDE Combustíveis, ICMS e ISS) e a criação de um IBS dual (IBS Federal e IBS Subnacional), sem incentivos fiscais, isenções, redução de base de cálculo ou crédito presumido, exceto para alimentos, medicamentos, transporte público, bens do ativo imobilizado, saneamento, educação, saúde e logística reversa.
A PEC 110 compartilha vários conceitos e práticas idênticas a PEC 45, sendo os principais pontos de convergência a base ampla de incidência, o creditamento financeiro, cálculo “por fora” do tributo, receita para o estado de destino e a criação do Imposto Seletivo.
Não obstante, a PEC 110 tem em seu bojo alguns pontos que trazem uma outra perspectiva da forma de aplicação do IBS, que, sem dúvida, alteram, substancialmente, a sua sistemática. Como exemplo disso, temos a criação de um IBS Dual (IBS Federal e IBS Subnacional), a possibilidade de alíquotas diferenciadas entre bens e serviços, a possibilidade de recolhimento centralizado no estado de origem com a criação de uma câmara de compensação, a adoção de um Comitê Gestor com a participação dos estados e municípios, e, por fim, a redução da transição para os contribuintes para seis anos.
Por outro lado, a proposta do Governo Federal apresentada pelo ministro Paulo Guedes pressupõe a realização da reforma tributária de forma fatiada.
A primeira fase, que foi apresentada no dia 21 de julho de 2020, pressupõe a criação da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), com as mesmas características do IBS da proposta da PEC 45, porém com a aplicação de uma alíquota de 12% (doze por cento) e extinção apenas de dois tributos (PIS e Cofins).
As fases seguintes, ainda não conhecidas, deverão propor a tributação de dividendos, o reescalonamento das alíquotas de Imposto de Renda, a tributação de operações financeiras e digitais (muito parecido com a antiga CPMF) e a esperada desoneração da folha de salários.
Feitas essas considerações sobre as propostas de reformas até então conhecidas, trataremos, um pouco, do eventual impacto no setor de serviços, mormente nos serviços de hospedagem que, sem dúvida, deverá ser o mais atingido, possivelmente, tendo a sua carga tributária elevada de forma inadequada para o momento econômico que vivemos.
No caso da PEC 45 ou da proposta do Governo Federal ser implementada, com certeza, haverá um elevado aumento da carga tributária para o referido setor, especialmente, para aqueles que recolhem seus tributos pelo lucro presumido (que é a grande maioria).
Atualmente, a carga tributária, para as empresas dessa sistemática de tributação, está em torno de 16,33% (4,8% de IRPJ, 2,88% de CSLL; 3% de Cofins, 0,65% de PIS e 5% de alíquota máxima de ISS).
Como vimos, a ideia dos que defendem a PEC 45 é a aplicação de uma alíquota única de 25% (vinte e cinco por cento). No caso da proposta do Governo Federal, a alíquota conjunta do PIS e da Cofins que, atualmente está em 3,65% (três vírgula sessenta e cinco por cento) das receitas dessas empresas, passaria a ser de 12% (doze por cento) para todos os bens e serviços.
Em ambos os casos, cumpre ressaltar, pode ser abatido o crédito gerado na aquisição de insumos e produtos para a prestação dos serviços, mas, não é permitido o abatimento do custo com a folha de salários.
Como sabemos, na maioria das vezes, os serviços de hospedagem não possuem muitos créditos de insumos e produtos a serem abatidos, sendo o principal custo a mão de obra utilizada, portanto, esse aumento de alíquota deverá representar um aumento real e expressivo de carga tributária, mais que o triplo.
Como se não bastasse esse aumento da carga tributária que se avizinha, o setor de serviços de hospedagem vem experimentando uma concorrência predatória, decorrente de empresas (free rider) que propiciam, por meio de soluções tecnológicas, conexão direta entre hóspedes e possuidores de estabelecimentos residências, sob o argumento de aumentar o rol de opções do viajante e proporcionar aquilo que vem se convencionando chamar de compartimento de casas ou compartilhamento familiar (home sharing).
Nesse passo, a falta de regulação da referida atividade, na contramão do que estabelece o artigo 174 da Constituição da República de 1988 e, em decorrência da velocidade com que surgiu e se estabeleceu, cria diuturnamente ambiguidades concorrenciais e zonas de conflito com a hotelaria tradicionalmente instalada em vários lugares do mundo.
Por outro lado, o argumento que a tributação será neutra porque o IBS/CBS poderá ser repassado para o tomador de serviço que poderá utilizar totalmente o crédito não se sustenta, por exemplo, no caso dos serviços prestados para as pessoas físicas. Mesmo no caso do contratante ser uma pessoa jurídica, sabemos que não é fácil, com a concorrência existente, o repasse desse aumento de alíquota.
Por isso, acreditamos que o mais adequado, impedindo um elevado aumento da carga tributária para o setor de serviços, especialmente quando tratamos de hotéis, motéis e similares, seria a aprovação da PEC 110, com a criação do IBS Dual e a adoção de alíquotas diferenciadas entre bens e serviços, complementada com a desoneração da folha de salários, o que estimularia a geração de empregos e simplificaria de forma salutar o nosso sistema tributário, preparando o país para o necessário crescimento econômico e o incremento de investimentos externos.
*Fonte: jota.info
JOSÉ ANDRÉ SALES RODRIGUES – Assessor jurídico da Federação Brasileira de Hospedagem e Alimentação (FBHA).
RICARDO RIELO FERREIRA – Assessor jurídico da Federação Brasileira de Hospedagem e Alimentação (FBHA).