O império dos indícios e presunções no Direito Tributário
Indícios e presunções são, volta e meia, objetos de discussão. Exemplo recente foi a controvérsia acerca da força probante do conjunto indiciário no Direito Penal, utilizado de forma polêmica pelo então juiz Sérgio Moro para sustentar condenações criminais de grande repercussão midiática no contexto da Operação Lava Jato.
O exercício reflexivo impositivo nessa ocasião aos penalistas é há muito necessário no Direito Tributário. A aplicação indiscriminada de ditos institutos tem sido uma constante na atividade tributária, marcada pela autoexecutoriedade do ato administrativo do lançamento, ou seja, pelo poder de exigir tributos por meios próprios de coerção.
Utilizando-se dessa prerrogativa, sem controle prévio, as autoridades fiscais lançam mão de indícios e presunções como artifício a viabilizar a tributação e superar o ônus muitas vezes árduo de comprovação dos fatos subjacentes.
Dadas as dificuldades, buscam a tributação de realidades que parecem tributáveis, mas não necessariamente são, ou até mesmo de situações que não são tributáveis, mas deveriam ser no entendimento fiscal – à revelia do princípio da legalidade, outra marca inafastável da tributação.
Não fosse o suficiente, o ônus de ilidir ditas presunções e afastar indícios recai de forma desproporcional sobre o contribuinte, que se defende em juízo, se o caso, contra um título executivo produzido extrajudicialmente e que goza de presunção legal de legitimidade, a despeito de ter sido formado com base em indícios e outras presunções – essas sem respaldo em lei.
Ao assim proceder, todavia, praticam verdadeira justiça privada, que não tem lugar em um Estado Democrático de Direito, notadamente quando se discute atividade cujo funcionamento contrapõe-se a direitos fundamentais.
A tributação é por essência uma violência institucional ao direito de propriedade e à liberdade individual, manifestada pela expropriação de riquezas dos contribuintes em contrapartida à postura do Estado de abdicar do monopólio da produção de riquezas.
Embora encontre assento constitucional, a ingerência estatal deve respeitar limites cerrados, sob pena de perder a legitimidade conferida pela Constituição. São as chamadas limitações constitucionais ao poder de tributar, compostas por normas de competência e por uma série de princípios.
Enquanto a distribuição de competência encerra-se de forma taxativa no texto constitucional, o mesmo não se estende aos princípios, extraídos não raro da interpretação sistemática das normas constitucionais, sem previsão expressa.
A repercussão dos indícios e presunções no Direito Tributário é extraída justamente da interpretação do complexo de princípios constitucionais e a premissa básica a ser adotada é a de que a interferência estatal nos direitos de propriedade e liberdade individual, em que pese justificada, deve ser a menor possível.
Para que assim seja, a tributação não pode alcançar fatos incertos, sob o risco de onerar fatos não tributáveis. A certeza perpassa a constatação da efetiva ocorrência do signo presuntivo de riqueza. Sob esse raciocínio, indícios e presunções são insuficientes à deflagração de obrigações tributárias.
A lógica é semelhante à que vige no Direito Penal, ultima ratio em razão do seu impacto na liberdade individual. A tributação também envolve impacto em direitos constitucionais e, por essa razão, o sistema não se conforma com ingerências baseadas em possibilidades ou probabilidades: exige convicção.
Por isso, indícios não autorizam a tributação: não basta a comprovação de um fato tangencial que indica possível existência de riqueza tributável. De igual modo, não há fundamento jurídico à adoção de presunções não positivadas em lei: nos termos do artigo 374 do Código de Processo Civil, independem de prova os fatos “em cujo favor milita presunção legal de existência ou de veracidade”[1].
No que diz respeito à presunção, não há incompatibilidade entre o instituto e o Direito Tributário. Na verdade, a própria tributação funda-se na adoção constitucional e legal de presunções de que determinados fatos, denominados “signos presuntivos de riqueza”, denotam capacidade econômica de colaborar com a função estatal de responder às necessidades da coletividade.
O problema reside na utilização de presunções sem respaldo em lei, a legitimar o interesse fiscal de incrementar a arrecadação.
O uso desenfreado dos indícios e presunções colide não apenas com normas constitucionais, mas com o próprio conceito de lançamento, disposto no artigo 142 do Código Tributário Nacional, de acordo com o qual o ato é “[…] entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível”.
Vê-se que o ato de lançamento exige a verificação da “ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente”, e não a mera constatação de fatos relacionados que possam indicar eventual ocorrência do fato gerador.
A postura fiscal pode ser notada em diversas controvérsias jurídico-tributárias, das quais são exemplos muito claros: (i) a atribuição de responsabilidade tributária entre empresas de mesmo Grupo Econômico; (ii) o direito ao aproveitamento fiscal do ágio em reorganizações societárias; dentre outros.
Pretende-se examinar de forma detida oportunamente os casos especificados acima. Por ora, destaca-se que a dificuldade de verificação de fatos ou o mero senso de justiça – ou melhor, interesse arrecadatório – do Fiscal não podem ser parâmetros válidos à expropriação patrimonial. Não há conformação constitucional à interferência estatal em direitos fundamentais baseada em dúvida.
Mais do que isso: o dever funcional da Autoridade fiscal não é simplesmente arrecadar a qualquer custo; é atuar em estrita conformidade à lei. Significar dizer que, em caso de dúvida, deve se abster de exigir tributos e focar na busca de elementos concretos e suficientes à cobrança tributária.
Caso contrário, impõe-se a preservação do direito à propriedade e liberdade individual.
*Fonte: jota.info