Recentemente, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por maioria de votos, o REsp 1.660.363, prescrevendo a legitimidade da incidência de IRPJ e CSLL sobre o lucro líquido do total dos rendimentos e ganhos líquidos de operações financeiras, ainda que referente aos acréscimos patrimoniais advindos da diferença de correção monetária.
Restaram vencidos os votos no sentido de que a atualização monetária configuraria mera reposição do valor da moeda corroído pela inflação, sem representar acréscimo patrimonial, materialidade do IRPJ e da CSLL. Não obstante tenha sido esse o último entendimento proferido pelo STJ, não há como assentir a ele. Vejamos por quê.
Por um longo período, esteve presente no cotidiano do brasileiro o aumento descomedido do nível de preços, fenômeno esse denominado de inflação. Hoje em dia, a inflação não deixou de existir no Brasil, entretanto, em decorrência a um contexto mais regular, depara-se com níveis mais tolerantes.
Trata-se, a inflação, de um processo generalizado e persistente do nível de preços, ou seja, não se refere ao aumento individual no preço de um ou de outro bem, mas ao aumento do índice de preços, que é a média ponderada de todos os preços. Esses processos inflacionários possuem perspectivas maléficas e que se verificam pelos seus efeitos.
Assim, se a inflação fosse uniforme e afetasse as transações de forma igualitária, seus efeitos seriam praticamente nulos. Entretanto, a variação no valor do dinheiro – nível de preços – só é considerável na medida em que sua incidência seja desigual.
Neste sentido, um elementar efeito da inflação é a redistribuição impiedosa e desigual da renda, já que preços e salários não se alteram à mesma taxa e durante a mesma periodicidade de inflação alta. Outro efeito fundamental é o de coibir investimentos e produções por conta de especulações e incertezas.
Quando tais processos inflacionários se mantêm por um longo período, uma das tarefas adotadas para contê-los é a adoção de práticas de indexação: procedimentos que têm por objetivo a preservação dos valores reais em termos de poder de compra.
Esses procedimentos podem ser de dois tipos: (i) os contratos passam a ser referenciados em termos de uma moeda estrangeira que tenha características de estabilidade; ou (ii) os contratos passam a conter cláusulas que atrelam seus respectivos valores monetários ao comportamento de índices de preços.
Com a utilização dessas práticas, a tendência é que esses processos inflacionários sejam neutralizados, ocasião em que deixam de causar distorções significativas na organização e utilização dos recursos produtivos da economia, comparativamente ao que ocorreria com a prática de “estabilidade de preços”.
Na prática, aproxima-se dessa neutralidade inflacionária a utilização da correção monetária, a qual consiste num reajuste periódico e automático de determinados valores de acordo com determinados índices que traduzam a taxa de inflação.
Assim, quando os preços sobem, a correção monetária age e evita que outros preços que não subiram fiquem “desproporcionais”, ocasionando ajustes financeiros da moeda brasileira em relação à inflação. Basicamente, adequa a moeda perante a inflação e dentro de um período pré-determinado, tendo como objetivo principal compensar a perda econômica com os reajustes.
No Brasil, a inflação possui previsão legal, a qual estabelece, como diretriz para fixação do regime de política monetária, a sistemática de “metas para inflação” (Decreto 3.088/1999, art. 1º).
Essas metas inflacionárias são definidas pelo Conselho Monetário Nacional (Decreto 3.088/1999, art. 1º, §1º) e controladas pelo Banco Central do Brasil (Decreto 3.088/1999, art. 2º), sendo este o órgão competente para executar as políticas necessárias para o cumprimento dessas “metas para a inflação”.
Portanto, não obstante haja certa previsibilidade para o evento inflação, cabe ao Banco Central do Brasil controlá-la. Atualmente, a inflação é medida por meio do índice oficial de correção monetária denominado Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
Pois bem. Em relação às aplicações financeiras há fórmulas utilizadas para medir seus rendimentos a partir dos juros. Segundo Alexandre Assaf Neto, “receber uma quantia hoje ou no futuro não são evidentemente a mesma coisa. Em princípio, uma unidade monetária hoje é preferível à mesma unidade monetária disponível amanhã. Postergar uma entrada de caixa (recebimento) por certo tempo envolve um sacrifício, o qual deve ser pago mediante uma recompensa, definida pelos juros. Desta forma, são os juros que efetivamente induzem o adiamento do consumo, permitindo a formação de poupanças e de novos investimentos na economia” . Esses juros são calculados por meio das taxas juros, coeficientes que determinam o seu valor, isto é, a remuneração do fator capital utilizado durante certo período.
Nesta esteira, as taxas de juros utilizadas para as aplicações financeiras, considerando os efeitos inflacionários na variação da moeda brasileira, são de duas espécies: a taxa de juros nominal e a taxa de juros real. A primeira representa o rendimento de certa aplicação diante de uma periodicidade, possuindo um valor de face, um valor que não é real, já que inclui os efeitos inflacionários previstos para o prazo da operação.
A segunda, por sua vez, é aquela que expurga o efeito da inflação no período, uma vez que subtrai da taxa de juros nominal os impactos da inflação, ou seja, denota um resultado apurado livre dos efeitos inflacionários, demonstrando, efetivamente, o quanto se ganhou ou se perdeu (ASSAF NETO, 2012, p. 68). Isso quer dizer que a taxa de juros real é a taxa de juros nominal subtraída a inflação.
Assim sendo, existe uma relação entre a taxa de juros nominal, a taxa de juros real e o índice de inflação no período, o que permite calcular tais taxas a partir da seguinte fórmula (ASSAF NETO, 2012, p. 68):
Onde: a) Tr: é a taxa real; b) Tn: é a taxa nominal; c) Tin: taxa de inflação no período.
Assim, pode-se imaginar a hipótese em que uma aplicação financeira obteve o rendimento, em 2020, de 6% ao ano (Tn = 6% a.a. = 0,06), cuja taxa de inflação medida pelo IPCA para o mesmo período seja de 4,52% (Tin = 4,52% a.a. = 0,0452). Desse modo, aplicando a fórmula relacionada aos índices, tem-se que:
Portanto, a taxa real dos juros dessa aplicação financeira é de 1,41% ao ano, sendo esse, portanto, o seu ganho real. O restante é tão somente taxa de inflação, ou seja, lucro inflacionário.
Diante disso, o lucro calculado pela taxa de juros nominal não se traduz em acréscimo patrimonial, já que uma parcela desse valor se refere à correção monetária decorrente da inflação, o lucro inflacionário. Assim, o lucro efetivo, isto é, o acréscimo patrimonial, é calculado com base na taxa de juros real que, de fato, é auferido pelo investidor.
E mais, uma vez existente uma fórmula capaz de calcular a taxa de juros real, permitindo-se segregar o que é acréscimo patrimonial do que é lucro inflacionário, resta clara a possibilidade de se tributar única e tão somente a taxa de juros real que, como dito, traduz-se em acréscimo patrimonial. Sobre o restante – a correção monetária – não deve incidir IRPJ e CSLL.
Ora, o IRPJ e a CSLL possuem previsão constitucional nos arts. 153, III e 195, I, respectivamente, sendo pacífico o entendimento de que há, na CF, um conteúdo semântico mínimo para renda, compreendido como acréscimo patrimonial.
No mais, em atenção à prescrição do art.146, da CF, o CTN, enquanto norma complementar, apresenta as especificações acerca do conceito de renda, uma vez que no seu art. 43 consta que o IRPJ tem como hipótese de incidência a aquisição da disponibilidade jurídica ou econômica de renda. Esta, por seu turno, é entendida como o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos, independente da denominação da receita ou do rendimento.
E mais, nos termos do art. 44, do CTN, a base de cálculo do IRPJ é o lucro real, presumido ou arbitrado. O que compõe o lucro real está prescrito no art. 6º, do Decreto-lei 1.598/1977, correspondendo ao lucro líquido de um determinado período, devidamente ajustado pelas adições, exclusões e compensações determinadas em lei.
Percebe-se, deste modo, que o ponto de partida do lucro real é o lucro líquido, o qual será determinado com observância das leis comerciais. A base de cálculo da CSLL, por sua vez, também é o lucro líquido, nos termos da Lei 7.689/1988.
Assim, as bases de cálculo tanto do IRPJ quanto da CSLL têm como ponto de partida o lucro líquido contábil, ao qual devem ser feitas as adições, exclusões e compensações previstas em lei.
De tal modo, a tributação pelo IRPJ e pela CSLL deve se limitar a incidir sobre o lucro efetivo, já que somente ele corresponde à hipótese de incidência de ambas as exações, qual seja, o acréscimo patrimonial. Logo, é ilegítimo incidir sobre valores de correção monetária, os quais representam somente meras recomposições pelas perdas de valores da moeda ao longo do tempo.
Portanto, em relação às aplicações financeiras, a correção monetária, também chamada de lucro inflacionário, nada mais é do que a atualização do valor do dinheiro ao longo do tempo, não correspondendo a qualquer acréscimo de riqueza.
Tributá-la, pois, importa tributar o próprio patrimônio, e não o acréscimo patrimonial, o que viola tanto a rigidez da competência tributária, quanto o princípio da capacidade contributiva previstos na CF quanto, até mesmo, a definição legal de renda e de lucro.
É diante desses fundamentos e argumentos que não se pode concordar com o desfecho proferido pelo STJ no REsp 1.660.363, concluindo-se pela ilegitimidade da cobrança de IRPJ e CSLL sobre correção monetária.
*Fonte: jota.info
LEONARDO LUCCI – Mestre em Direito Tributário (PUC/SP). Especialista em Direito Tributário (PUC/SP). Professor assistente no curso de especialização em direito tributário (COGEAE-PUC/SP). Pesquisador do Instituto de Aplicação do Tributo (IAT). Advogado.