Creditamento de PIS e Cofins na aquisição de frete entre estabelecimentos
Mapeamento do contencioso tributário sob a perspectiva corporativa elaborado por Ana Teresa Lima Rosa com base nas demonstrações financeiras divulgadas pelas trinta maiores companhias abertas do país, embora assentado em dados de 2014, nos dá uma noção da representatividade das disputas que envolvem o conceito de insumo para fins de creditamento de PIS e Cofins na sistemática não cumulativa, à medida que a tese já envolvia 5,9 bilhões de reais, o equivalente a aproximadamente 38% de todas as discussões passíveis de divulgação que versavam sobre referidas contribuições.
Embora não seja possível precisar quanto deste montante se refere especificamente a créditos decorrentes da aquisição de frete de produtos acabados entre estabelecimentos do mesmo contribuinte, uma pesquisa rápida nos sítios do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e dos Tribunais Regionais Federais (TRFs) das cinco regiões evidencia com clareza que se trata de controvérsia jurídica disseminada e relevante, nos moldes estabelecidos pela Lei 13.988/2020 e pela Portaria ME 247/2020 que tratam da transação no contencioso tributário.
A controvérsia de que falamos está pautada na amplitude do direito ao creditamento decorrente das aquisições de frete tal como previsto nas Leis 10.637/2002 e 10833/2003 que inauguraram a sistemática não cumulativa das contribuições em comento.
Na perspectiva dos contribuintes, a contratação de frete de produtos acabados na transferência entre estabelecimentos da mesma pessoa jurídica, com assunção do ônus correlato, confere direito ao creditamento com base em dois fundamentos: primeiro, porque o frete, na qualidade de serviço relevante e essencial à consecução da atividade-fim das empresas comerciais, encarta-se no conceito de insumo (creditamento autorizado pelos arts. 3º, II das leis antes mencionadas); segundo, porque o frete em questão deve ser entendido como “frete na operação de venda” (creditamento autorizado pelo IX dos mesmos dispositivos legais), na medida em que se prestam a escoar a produção, aproximando-a dos adquirentes.
A Receita Federal do Brasil, ao seu turno, vem se posicionando reiteradamente de forma contrária ao creditamento sob análise, por entender que a despesa com o frete nas transferências entre estabelecimentos não se confunde com o custo do produto vendido a não ser que se trate de empresa de transporte, não se enquadrando, por conseguinte, no conceito de insumo, ao passo que a disposição legal que versa especificamente sobre o creditamento de frete “nas operações de venda” também não agasalha a pretensão creditória, já que referida expressão pressupõe a transferência de titularidade de mercadorias entre pessoas jurídicas, o que não ocorre na transferência entre estabelecimentos.
No âmbito administrativo, as discussões tendem a ter desfecho desfavorável em primeira e segunda instâncias, mas a CSRF, ao apreciar recursos especiais interpostos pelos contribuintes, passou, mais recentemente, a reformar as decisões das turmas ordinárias, a fim de reconhecer o direito ao creditamento por entender que o frete na transferência de produtos acabados enquadrar-se-ia no conceito de insumo definido pela própria Fazenda na Nota SEI PGFN MF 63/2018, fazendo-o com base no quanto decidido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em sistemática repetitiva (REsp 1.221.170) e, ainda, por considerar que o inciso IX do art. 3º das Leis 10.637/02 e 10.833/03 assegura a utilização dos créditos decorrentes da contratação de frete na operação de venda (que envolve toda a logística) e não apenas de frete na venda (que desloca a mercadoria diretamente para o comprador).
O panorama jurisprudencial na esfera judicial consolidou-se de forma bastante diferente. Embora ainda seja possível encontrar decisões isoladas admitindo o creditamento decorrente de frete nas operações de transferência entre os estabelecimentos, a orientação maciça dos tribunais regionais e das duas turmas de direito público do STJ firmou-se contrariamente à pretensão do contribuinte, valendo a ressalva de que não há qualquer precedente persuasivo a respeito da matéria.
As tentativas de levar o tema à apreciação do Supremo Tribunal Federal (STF) não têm sido frutíferas. Já há diversas decisões no sentido de que a inconstitucionalidade da vedação ao creditamento em questão constituiria ofensa reflexa ao texto constitucional, por depender da análise de normas infraconstitucionais, o que inviabiliza o pronunciamento da Corte Suprema.
Nesse cenário de incertezas, é intuitivo afirmar que a possibilidade de êxito dos contribuintes nas discussões travadas no âmbito administrativo é significativa, enquanto a tendência é que a Fazenda Pública saia vencedora das discussões judiciais sobre o mesmo tema.
Seguindo esse (ir)racional, parece adequado concluir que a realização de concessões recíprocas com o objetivo de eliminar os litígios administrativos e judiciais que versam sobre o direito ao crédito na aquisição de fretes de produtos acabados entre estabelecimentos da mesma pessoa jurídica por meio da transação pode minimizar os efeitos negativos do desalinhamento entre a jurisprudência administrativa e a judicial.
Tal medida só faria sentido, todavia, se o edital que lançasse o tema contemplasse, como requisito para a transação, a adesão do contribuinte em relação a todas as discussões ativas envolvendo a matéria, administrativas e judiciais, num sistema transacional híbrido.
Nessa perspectiva, para usufruir de vantagens ofertadas pela Fazenda Pública, o contribuinte “abriria mão” de discussões administrativas com boas perspectivas de sucesso, mas também eliminaria, com alguma vantagem, o passivo discutido judicialmente, esses últimos com perspectiva de êxito reduzida no contexto atual.
A Fazenda, nesse cenário, teria a seu favor a recuperação, ainda que parcial, de ativos que provavelmente não veria confirmados em discussão na seara administrativa, além de adiantar o caixa que seria propiciado pelo eventual desfecho favorável dos casos em tramitação no âmbito judicial.
É importante registrar que, longe de se configurar situação atípica, é bastante comum que o mesmo contribuinte acumule discussões administrativas e judiciais acerca do conceito de insumo para fins de creditamento do PIS/Cofins, em especial sobre o uso de créditos de frete nas operações de transferência.
Isso porque o creditamento em questão decorre de operação usual que se repete no tempo, envolvendo períodos de apuração diversos, o que multiplica os processos que versam sobre a mesma matéria. Os casos mais antigos que foram julgados desfavoravelmente ao contribuinte pelo Carf, seguiram para o Judiciário; os mais recentes, por sua vez, não devem ter o mesmo destino.
É certo que a transação envolvendo a controvérsia em apreço pode não levar à extinção dos litígios administrativos e judiciais – o que se esperaria, em princípio –, tendo em vista que há vários processos que discutem outras matérias afeitas à não-cumulatividade do PIS e da Cofins, além do creditamento na contratação de frete de produtos acabados entre estabelecimentos da mesma pessoa jurídica.
A cindibilidade do ponto que destacamos, no entanto, é inequívoca, o que autoriza o uso do meio alternativo como forma de eliminar, desde logo, essa específica fração contenciosa, colocando, em seu lugar, desejável sentimento de segurança em benefício de todos os envolvidos.
*Fonte: jota.info
KARINA GOMES ANDRADE – Mestra em Direito Tributário e advogada.