As plataformas digitais e os desafios para cumprimento das obrigações acessórias
A aproximação de clientes com os produtos e serviços que desejam consumir sempre foi essencial para que as empresas obtivessem sucesso no mercado. Vimos, nas últimas décadas, avanços tecnológicos relevantes que afetaram a forma como as empresas operam, especialmente com a popularização dos dispositivos móveis e o desenvolvimento da computação em nuvem e big data.
Essa evolução tecnológica, combinada com a pandemia que enfrentamos, acelerou o processo de digitalização e fez com que as empresas tivessem que se modernizar. Nesse contexto, a adoção de estratégias digitais passou a ser essencial para atender às demandas dos consumidores.
Atualmente as grandes empresas operam na internet e as plataformas redefiniram o conceito de conexão entre clientes e produtos/serviços, com a disponibilização de oportunidades para um mercado consumidor maior, com poucos cliques, de forma ágil e direta.
O fato é que, sem dúvida, estamos na era das plataformas digitais, que possibilitam a prática de negócios em grande escala e com redução de custos.
Do ponto de vista tributário, a operação das plataformas digitais traz desafios, especialmente em razão do grande volume de transações e das engessadas regras do nosso ordenamento, especialmente com relação ao cumprimento das obrigações acessórias.
O primeiro ponto de atenção diz respeito à qual documento fiscal deve ser emitido (se nota fiscal de serviços ou nota fiscal de produtos), para quem deve ser emitido (quem é o adquirente dos produtos ou contratante dos serviços prestados pela plataforma) e qual a base de cálculo dos tributos incidentes sobre a operação (identificação adequada das receitas da plataforma e das receitas de terceiros prestadores de serviços ou vendedores dos produtos).
Outro aspecto relevante está relacionado ao regime de emissão das notas fiscais. Como regra geral, a emissão das notas fiscais deve ser realizada por transação. Isso significa dizer que para cada transação realizada (seja em nome próprio, seja em nome do fornecedor ou prestador de serviço de um marketplace), deverá ser emitida uma nota fiscal. Com isso, milhares de notas fiscais deverão ser emitidas, gerando um alto custo de compliance para as empresas.
Uma alternativa para solucionar esse problema é a emissão de notas fiscais com o valor acumulado, dentro do mesmo mês, por exemplo. Assim, as várias transações realizadas numa mesma plataforma seriam agregadas, e apenas um documento fiscal seria emitido.
Nesse caso, o processo de emissão de notas fiscais é simplificado e os custos de compliance são reduzidos. Além disso, o usuário da plataforma recebe apenas um documento fiscal por período, otimizando a sua experiência.
Na maioria das vezes, entretanto, a emissão consolidada das notas fiscais, seja por cliente, seja por período, depende da apresentação de pedido de regime especial pelo contribuinte às autoridades fiscais.
Com isso, os contribuintes dependem de uma manifestação formal das autoridades que autorize essa emissão simplificada dos documentos fiscais, as quais podem demorar a se manifestar e até mesmo indeferir o pedido.
Essa necessidade de obtenção de uma manifestação formal das autoridades fiscais traz insegurança à operação das plataformas, especialmente porque as multas previstas na legislação por descumprimento de obrigações acessórias são bastante altas e muitas vezes baseadas no valor das transações.
Além disso, alguns entes públicos demoram em analisar os pedidos de regime especial, o que pode causar problemas operacionais. Adicionalmente, a concessão ou não de um regime especial e os termos específicos que serão aplicáveis a cada empresa dependem da discricionariedade de cada município ou estado.
Isso sem falar que a implementação dos sistemas para operação demanda tempo e investimentos. Ao expirar o prazo de um regime especial concedido, a operação da plataforma dependerá de sua renovação e, caso isso não ocorra, a mudança nas regras aplicáveis para emissão dos documentos fiscais pode inviabilizar até mesmo a continuidade das atividades.
Nesse sentido, o ideal seria que fosse criada regulamentação específica na legislação para a operação das plataformas e a emissão das notas fiscais por esses contribuintes, de acordo com cada um dos tipos de atividade praticada.
Isso porque a atividade das plataformas pode variar bastante, e os problemas enfrentados por uma plataforma que atua como intermediadora na prestação de serviços de terceiros são diferentes daqueles enfrentados por plataformas que operam em nome próprio, por exemplo.
No caso das plataformas que atuam como intermediadoras, o ponto principal que poderia estar adequadamente regulamentado está relacionado à possibilidade de exclusão das receitas de terceiros da base de cálculo dos tributos próprios.
Por sua vez, no caso das plataformas que operam em nome próprio, uma regulamentação adequada acerca da possibilidade de emissão de nota fiscal consolidada por cliente ou por período traria mais segurança às operações.
Vale ressaltar que, como os modelos de negócios das plataformas são bastante diversos, antes de qualquer regulamentação, é necessário que as autoridades fiscais compreendam as necessidades de cada operação. Nesse aspecto, uma consulta pública poderia facilitar o diálogo entre os players desse mercado e o Fisco, e permitir que eventual regulamentação seja efetiva na resolução dos problemas enfrentados.
Lembramos, por fim, que a escolha do modelo de emissão de nota fiscal pelas plataformas depende da análise da realidade de cada empresa, levando-se em conta o correto enquadramento jurídico das atividades desenvolvidas, a quantidade de transações e também o volume de estornos e as práticas relacionadas à concessão de descontos.
A criação de um arcabouço legal adequado para o cumprimento das obrigações acessórias tributárias pelas plataformas traria mais segurança ao setor e facilitaria o desenvolvimento dessas atividades tão promissoras nos próximos anos.
*Fonte: jota.info
LUIZ ROBERTO PEROBA – Advogado.
ANA CAROLINA CARPINETTI – Advogada.