Certamente um dos temas mais debatidos no Direito Tributário nas últimas décadas é a exclusão do ICMS da base de cálculo das contribuições do PIS e da Cofins. Mais recentemente também é objeto de intensa discussão o desdobramento da tese principal nas chamadas teses filhotes e nas medidas adotadas pela Receita Federal do Brasil (RFB) para restringirem o valor do crédito a ser aproveitado pelos contribuintes.
No que diz respeito às medidas adotadas pela RFB que pretendem dar à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) uma interpretação restritiva, já tivemos a oportunidade de comentar sobre os poderes premonitórios para definir que o ICMS a ser excluído é aquele recolhido pelo contribuinte. Quanto a esse ponto, muito se tem debatido acerca do conteúdo normativo e das eventuais ilegalidades e inconstitucionalidades da Solução de Consulta nº 13/18 e da IN RFB 1.911/19, as quais pretendem que o ICMS a ser excluído seja o ICMS recolhido e o não o ICMS destacado em nota fiscal.
Diante da flagrante tentativa de antecipação da decisão a ser proferida nos Embargos de Declaração ao RE 574.706/PR pelo STF, ou até mesmo de uma forma de intimidação ou de introdução de uma ideia dominante sobre a correta interpretação a ser adotada, as atenções têm sido dirigidas às normas editadas pela RFB sobre o cálculo do crédito do PIS e da Cofins editadas após a decisão judicial e não aos dispositivos sobre a apuração regular dos créditos básicos das referidas contribuições.
Nesse sentido é que o presente artigo procura analisar as implicações decorrentes da IN RFB 1.911/19, mais especificadamente de seu artigo 167 que visa delimitar o valor de aquisição de insumos, mercadorias para a revenda e dos ativos imobilizados, que servirá de base de cálculo para os descontos dos créditos de PIS e de Cofins no regime não cumulativo.
Pois bem, o art. 167 está inserido na Seção I, do Capítulo I, do Título IV, referente aos créditos de PIS e de Cofins no regime não cumulativo. A seção I em questão possui três artigos, os quais trazem regras e conceitos gerais sobre o aproveitamento de créditos básicos das referidas contribuições.
O art. 166 estabelece que os créditos serão determinados mediante a aplicação das alíquotas de 1,65% para o PIS e de 7,6% para a Cofins sobre a base de cálculo do crédito, a qual não é determinada na Seção I. Já o art. 167, trata de delimitar o conceito do valor de aquisição para indicar que este compreende o montante do seguro e do frete pagos na aquisição, quando suportados pelo comprador, bem como do IPI incidente na aquisição, quando não recuperável. Já o art. 168 estabelece que no cálculo do crédito poderão ser consideradas as parcelas redutoras decorrentes do ajuste a valor presente de que trata o inciso III do caput do art. 184 da Lei nº 6.404/76.
Muito embora seja possível inferir que o conceito de base de cálculo do crédito é definido ou delimitado pelo valor de aquisição dos insumos, das mercadorias para revenda e dos bens do ativo imobilizado, tal ilação é confirmada pela leitura dos artigos 169, 171, 173 e 181, os quais, em síntese, determinam que compõem a base de cálculo dos créditos a serem descontados os valores das aquisições, efetuadas no mês, de bens para revenda, bem como dos insumos e ativos aplicados e empregados na produção ou na prestação de serviços, além dos demais custos e despesas autorizados em lei.
A primeira conclusão que se tem, portanto, considerando a redação da IN RFB 1.911/19, é a de que a base de cálculo para o desconto de créditos de PIS e de Cofins é o valor de aquisição dos bens, mercadorias, serviços e direitos admitidos em lei, adicionados do valor do seguro e do frete pagos na aquisição, quando suportados pelo comprador, bem como do IPI incidente na aquisição, quando não recuperável.
Assim, por consequência, surge a questão: E o valor do ICMS na aquisição dos insumos, mercadorias, equipamentos e serviços sujeitos à tributação do referido imposto estadual?
A indagação apresentada se mostra mais relevante ao se comparar o texto do artigo 167 da IN RFB 1.911/19 com a redação contida no parágrafo 3º, do artigo 8º da IN SRF 404/04, na qual era expressamente previsto que o valor do ICMS integrava o custo de aquisição de bens e serviços que serviria de base de cálculo para o desconto dos créditos de PIS e de Cofins.
Nesta medida, resta a saber se a exclusão intencional do valor do ICMS do custo de aquisição dos bens e serviços para fins de apuração dos créditos das contribuições sociais encontra amparo na lei e/ou na decisão do RE 574.706/PR?
Deliberadamente deixaremos de analisar as disposições constitucionais tendo em vista que a Constituição Federal assegura a instituição do regime da não cumulatividade para determinados setores da atividade econômica, mas nada determina sobre as regras acerca do crédito tal com o faz para ICMS ou para o IPI.
Já no âmbito da legislação ordinária, notadamente, os artigos terceiro das Leis nº 10.637 e nº 10.833, depreende-se que o contribuinte poderá descontar créditos de PIS e de Cofins sobre o valor apurado na forma do art. 2º das referidas leis. Por sua vez, o art. 2º em questão estabelece que a base de cálculo é aquela determinada no art. 1º, qual seja, o total de receita auferida pela pessoa jurídica.
A primeira distinção que se pode fazer entre as leis ordinárias e a instrução normativa é que a legislação ordinária definiu a base de cálculo do crédito do PIS e da Cofins por referência ao conceito do elemento quantitativo da norma de incidência tributária, i.e., o valor total da receita; enquanto a instrução normativa veiculou um conceito direto e específico, qual seja, valor da aquisição.
Parece-nos que, nesse ponto, a instrução normativa apresenta uma redação muito mais técnica, eis que os créditos de PIS e de Cofins são descontados sobre as despesas e custos – valores de aquisição – incorridos pelo contribuinte sujeito ao regime não cumulativo e não exatamente sobre a receita auferida pelo vendedor dos bens, serviços e mercadorias para revenda, dos quais poderão ser descontados créditos.
Nesse ponto, ainda é necessário ponderar que embora ao tratar da base de cálculo do crédito a legislação ordinária faça referência à base de cálculo das contribuições, ao se analisar as hipóteses legais de geração de créditos de PIS e de Cofins, não restam dúvidas de que a grandeza para o desconto dos créditos é o valor pago pelo contribuinte adquirente dos bens, serviços e mercadorias para revenda.
Ao se fixar a premissa de que a melhor interpretação da legislação indica que a base de cálculo dos créditos corresponde ao valor incorrido na aquisição dos bens, serviços e mercadorias para revenda (custo de aquisição) e não sobre a receita auferida pelo vendedor, tem-se que a decisão proferida no RE 574.706/PR, independentemente do resultado dos Embargos de Declaração, não deveria ter qualquer desdobramento em relação à definição da base de cálculo do crédito de PIS e de Cofins.
Por outro lado, caso se faça uma intepretação literal e direta da legislação ordinária, atentando-se apenas à referência da base de cálculo do crédito à base de cálculo das contribuições, então, a conclusão será outra. Isto, pois, se o novo conceito de receita para o PIS e a Cofins é o faturamento sem o valor do ICMS, a nova base de cálculo dos créditos das referida contribuições também deverá excluir o valor do ICMS, tal como endereçado no artigo 167 da IN RFB 1.911/19.
A decisão do STF ainda suportaria o argumento de que a IN SRF 404/04 ao tratar da base de cálculo do crédito fazia expressa menção ao valor do ICMS, na medida em que o ICMS compunha a base de cálculo do PIS e da Cofins, eis que o imposto estadual nos termos da Lei Complementar nº 87/96, art. 13, §1º, integra a própria base de cálculo, sendo destacado apenas para fins de controle, resultando que o ICMS compõe o preço da mercadoria.
E, nessa linha, a partir do momento em que o ICMS não mais compõe o preço da mercadoria para os fins de PIS e de Cofins, não é mais compreendido pelo conceito jurídico de faturamento, não haveria razão para o valor do ICMS estar inserido na base de cálculo do crédito das contribuições sociais.
Por essa razão, parece arriscada a argumentação de que o ICMS integra o preço da mercadoria, compondo o custo incorrido na aquisição de insumos, bens e mercadorias para revenda, ainda mais sendo o imposto estadual não cumulativo.
Assim, a referida argumentação poderá esbarrar na interpretação da decisão do STF, sendo necessário argumentar que a tese fixada pela Corte máxima diz respeito tão somente ao conceito de faturamento e de apuração da base de cálculo para o recolhimento do PIS e da Cofins e não para a definição do custo de aquisição.
Outro ponto que vale a pena ser debatido é a falta de simetria e as contradições contidas na IN RFB 1911/19, a qual ao tratar da base de cálculo dos débitos de PIS e de Cofins determina que deverá ser excluído o valor do ICMS recolhido, enquanto que para o crédito básico das referidas contribuições, deixa implícito que não será admitido o aproveitamento sobre o valor do ICMS destacado ou recolhido.
Igualmente, no que diz respeito ao IPI, a instrução normativa admite que o referido imposto não recuperado pelo adquirente integra ao custo de aquisição, mas, por outro lado, é silente em relação à possibilidade de o ICMS não recuperado também ser computado ou adicionado ao custo de aquisição.
Como se sabe, embora o ICMS seja um imposto não cumulativo, há inúmeras situações em que o ICMS não é integralmente recuperado, tal como em casos de exportação, aquisição de maquinários empregados na produção de mercadorias isentas ou não tributadas pelo ICMS, energia elétrica que gera créditos para o PIS e para a Cofins, mas possui robusta restrição para a geração de créditos de ICMS etc.
Caminhando para a conclusão, acredita-se que a quantificação do valor do crédito básico de PIS e de Cofins será outro desdobramento do julgamento do RE 574.706/PR que deverá gerar enorme contencioso tributário, eis que muito provavelmente a Receita Federal passará a questionar aqueles contribuintes que aproveitaram ou venham a aproveitar créditos de PIS e de Cofins sobre os valores do custo de aquisição incluindo o valor do ICMS destacado em nota fiscal.
*Fonte: jota.info
LUCIANO BURTI MALDONADO – Mestre em direito tributário pela FGV-SP.