Confusão fiscal em Goiás
Nos últimos dias tem sido debatido, por meio dos veículos de comunicação, matéria que causa certa inquietação na sociedade, especialmente no bolso público consumidor. Trata-se da ameaça de cobrança, de consumidores finais, através de autuações do Fisco Estadual, de ICMS e multa, supostamente sonegado por lojas.
Na condição de consumidor e pelo fato de exercermos a advocacia na área tributária, tomamos a liberdade de dar nossa opinião a respeito da matéria.
Na tormentosa relação fisco/contribuinte, deve prevalecer a noção de segurança, de estabilidade e de previsibilidade. A aplicação destas premissas implica na segurança jurídica, no acatamento dos princípios da legalidade e da tipicidade tributária. Caso contrário, estaremos caminhando para a anarquia, a desorganização e a insegurança jurídica – é o que se vê.
O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços de Transporte e de Comunicações (ICMS) incide, basicamente, sobre operações relativas à circulação de mercadorias. A previsão constitucional consta do artigo 155, inciso II. Consta, também, na Lei Complementar n.º 87/96, artigo 2.º, inciso I. O Código Tributário Estadual (CTE), como não podia deixar de ser, adota a mesma base tributável, no art. 11, inciso I: “o imposto incide sobre operações relativas à circulação de mercadorias”.
Juridicamente, o que vem a ser mercadoria? O próprio Código Tributário Estadual (CTE), Lei n.º 11.651/91, artigo 12, inciso II, nos dá a resposta do ponto de vista jurídico: “mercadoria, qualquer bem móvel, novo ou usado, inclusive produtos naturais, semoventes e energia elétrica, extraído, gerado, produzido ou adquirido com objetivo de mercancia”.
Como se vê, no final do inciso II, do artigo 12, CTE, retrotranscrito, fica claro que: para ser considerada mercadoria, necessariamente, esta deve ter sido adquirida com fim mercantil: “[…] produzido ou adquirido com objetivo de mercancia.”
Para ser mais claro, uma coisa móvel, para ser classificada como “mercadoria”, tem que se destinar ao ciclo comercial. Assim sendo, mercadoria é toda coisa móvel, apropriável, que possa ser objeto de comércio. Consumidor não adquire com objetivo de revender – adquire para consumo.
Tecnicamente, segundo de Plácido e Silva (in Vocabulário Jurídico, 1 ed., Rio de Janeiro, 1989, Forense, v. III, p. 181), somente denomina-se mercadoria o objeto ou a coisa adquirida pelo comerciante ou mercador, para servir de objeto de seu comércio, isto é, para ser comercializada.
Sendo assim, no caso em questão, o objeto adquirido para uso próprio do consumidor final, não contribuinte do ICMS, não é (em relação ao adquirente – consumidor), uma “mercadoria”. Desta forma, jamais poderia recair uma cobrança de ICMS, sobre um bem que, no momento da entrega ao consumidor, já está fora do comércio.
Considerando a operação em questão, venda de um bem a consumidor final, não contribuinte do ICMS, não há hipótese de incidência do ICMS (fato gerador), mesmo porque, em relação ao comprador, o bem adquirido não tem objetivo de mercancia. Portanto, mercadoria não é.
O ICMS incide sobre operação com mercadoria. Se não há incidência do ICMS, não existe a obrigação tributária. Consequentemente, não há a formação da relação jurídica entre o Fisco (autor do lançamento do crédito tributário) e o suposto solidário (consumidor). Não havendo relação jurídica entre o fisco e o consumidor, não existem meios jurídicos de se efetuar a cobrança do imposto, na pessoa deste adquirente.
Não é por outro motivo que o CTE, no artigo 44, que define contribuinte do ICMS, não se encontra elencando o consumidor, mesmo porque: “contribuinte é qualquer pessoa, natural ou jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operações de circulação de mercadoria ou prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior”.
Fica claro que em relação ao “consumidor” (adquirente) não contribuinte, não há relação jurídica com o Fisco. O consumidor, não contribuinte do ICMS, não foi objetivamente relacionado como tal, tendo em vista que o objeto que adquire não é mercadoria. Única exceção para esta regra é a importação do exterior.
A cobrança aventada pelo fisco trata-se de tentativa inócua, sob o ponto de vista jurídico, de cobrar imposto de quem nada deve – pois contribuinte não é!. O fisco deveria rever sua investida ilegal contra o consumidor. Sua ação de fiscalização é motivada exclusivamente por critérios arrecadatórios, sem previsão legal. Portanto, ilegal.
(Aparecido Barrios Costa, advogado, consultor tributário, sócio do escritório: Balian e Barrios Costa)
Fonte: Diário da Manhã