Proximidade entre o ICMS destacado e o pago na exclusão do PIS e da Cofins
Em 15 de março de 2017, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) nº 574.706/PR, fixando a tese de que o “ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da Cofins”. O que parecia o “final feliz” de uma discussão de quase duas décadas, na realidade, era apenas o “prólogo” de uma tragédia anunciada sem data para terminar.
Contra o acórdão que julgou o RE nº 574.706/PR, opôs a União Federal embargos de declaração, pugnando (i) pela modulação dos efeitos da decisão para que produza efeitos apenas após o julgamento dos embargos de declaração; e, no que interessa ao presente artigo, (ii) pelo esclarecimento de que o ICMS a ser excluído da base de cálculo da Contribuição ao PIS e da Cofins é apenas aquele recolhido (e não o destacado na nota fiscal).
Tendo em vista que os embargos de declaração não possuem efeito suspensivo e não se prestam à revisão da decisão embargada, os processos que aguardavam o julgamento do leading case voltaram a tramitar.
Para regulamentar o procedimento a ser adotado pelas autoridades fiscais no cumprimento das decisões judiciais transitadas em julgado, a Receita Federal proferiu a Solução de Consulta Interna nº 13/2018, na qual manifestou expressamente sua interpretação do acórdão proferido pelo STF, ao afirmar que “o montante a ser excluído da base de cálculo mensal da contribuição é o valor mensal do ICMS a recolher, conforme o entendimento majoritário firmado no julgamento do Recurso Extraordinário nº 574.706/PR”[2].
Com isso, as compensações administrativas efetuadas com créditos de Contribuição ao PIS e de Cofins, incidentes sobre valores excedentes ao ICMS pago, passaram a ser não homologadas.
Da mesma forma, a Contribuição ao PIS e a Cofins declaradas em DCTF como suspensas, com base em liminar ou tutela antecipada, incidentes sobre o montante que excede ao ICMS pago, passaram a ser objeto de cobranças e execuções fiscais. Consequentemente, o Poder Judiciário foi inundado de novas ações judiciais versando sobre a aplicação prática do decidido pelo STF, em uma contenda cíclica e sem fim.
Enquanto o julgamento dos embargos de declaração no RE nº 574.706/PR não ocorrer, o cenário é de incerteza, pois, embora haja bons argumentos jurídicos para defender que o ICMS destacado é que deve ser excluído da base de cálculo da Contribuição ao PIS e da Cofins, não se pode afastar o risco de o STF decidir em sentido contrário. Para alguns contribuintes, entretanto, há uma luz no fim do túnel!
A “invisibilidade” de parte do ICMS pago
A Solução de Consulta Interna nº 13/2018 determina que, na apuração dos créditos de Contribuição ao PIS e de Cofins, a Autoridade Fiscal obtenha o valor do ICMS a ser excluído da base de cálculo das contribuições nos seguintes campos da Escrituração Fiscal Digital – ICMS/IPI (“EFD”): (i) campo 13 do “Registro E110: Apuração do ICMS – Operações Próprias”, referente ao “Valor do ICMS a Recolher”; e (ii) no campo 11 do “Registro 1920: Sub-Apuração do ICMS”, também referente ao “Valor do ICMS a Recolher”.
O primeiro campo contém o valor total de ICMS a recolher apurado na compensação escritural, isto é, pelo confronto de débitos e créditos do mês, enquanto o segundo corresponde ao ICMS de operações apuradas em separado, exigidas nas legislações de poucos estados.
Esse posicionamento da Receita Federal, entretanto, é superficial, vez que tais campos não representam todo ICMS recolhido em todas as operações de grande parte dos contribuintes. Ao vincular o exame do crédito exclusivamente a esses campos, não são considerados os valores de ICMS pagos e não declarado nos Registros E110 e 1920 da EFD, frise-se, únicos considerados pela referida solução de consulta.
Por exemplo, uma empresa, que importa mercadorias e as revende no mercado interno, antecipa o pagamento do ICMS no desembaraço aduaneiro e o complementa na venda da mercadoria no mercado interno, arcando totalmente com o ICMS destacado na nota fiscal de venda.
Isto é, ao vender uma mercadoria, a empresa importadora recebe do seu cliente, incluído no valor da venda, o montante do ICMS destacado na nota fiscal, sendo este montante integralmente repassado ao estado competente, parte pago antecipadamente no momento do desembaraço aduaneiro e o restante recolhido no momento da saída da mercadoria de seu estabelecimento. O mesmo racional se aplica, por exemplo, às empresas que utilizam insumos importados na sua produção.
Para visualizar o ICMS recolhido pelas importadoras, o Fisco Federal deveria não se limitar a analisar os campos indicados na Solução de Consulta Interna nº 13/2018, mas, também, considerar, por exemplo, no relatório da EFD “Registros Fiscais dos Documentos de Entradas de Mercadorias e Aquisição de Serviços”, no qual o ICMS pago na importação é creditado, bem como as Declarações de Importação, contendo igualmente a informação do ICMS não objeto de compensação escritural, mas recolhido no desembaraço aduaneiro.
Nas operações interestaduais com destino a não contribuinte do ICMS, a Solução de Consulta Interna nº 13/2018 igualmente ignora o valor do imposto recolhido a título de Difal e de Fundo de Combate e Erradicação à Pobreza (FCP).
Em tais operações, o ICMS devido para o estado de origem é apurado pela aplicação da alíquota interestadual sobre o valor da operação. O ICMS devido para o estado de destino é apurado pela aplicação da alíquota interna do estado de destino, menos a alíquota interestadual, o chamado Difal, mais o adicional de ICMS para o FCP, quando devido.
A Receita Federal considera, na apuração dos créditos de Contribuição ao PIS e de Cofins, o montante do ICMS devido ao estado de origem, vez que é informado no Registro de Saídas, compondo o valor do ICMS a pagar lançado no Registro 110 da EFD; por outro lado, ignora os valores recolhidos aos estados de destino (Difal e FCP), informados na nota fiscal eletrônica em campos específicos e transportados para registro específico da EFD-ICMS..
Isto é, não obstante a Solução de Consulta Interna nº 13/2018 determine o cômputo do ICMS recolhido ao estado de origem, o ICMS recolhido ao estado de destino pelo mesmo contribuinte é indevidamente desconsiderado, vez que não é objeto de compensação escritural.
Além disso, nas operações interestaduais para contribuinte do ICMS, a Receita Federal também desconsidera o Difal pago pelo destinatário das mercadorias nas entradas em seu estabelecimento.
Nessas operações, o remetente recolhe ao estado de origem o ICMS correspondente à aplicação da alíquota interestadual sobre o valor da operação e o destinatário paga o Difal devido ao estado de destino.
Em geral, o Difal é recolhido por guia de recolhimento especial e creditado na apuração do ICMS, sendo, portanto, excluído da compensação escritural informada no campo E110 da EFD e, por consequência, ignorado pela Receita Federal na apuração do crédito de Contribuição ao PIS e de Cofins do contribuinte destinatário da mercadoria.
Também são desconsiderados pela Receita Federal os valores de ICMS pagos antecipadamente pelos contribuintes nas entradas de mercadorias advindas de outros estados sujeitas à substituição tributária sem a retenção do imposto. Esses valores não são objeto de compensação escritural e não compõem o “Valor do ICMS a Recolher” informado no campo E110 da EFD.
Nas operações internas com mercadorias consideradas supérfluas, como bebidas alcoólicas e cigarros, por exemplo, o adicional de ICMS destinado ao Fundo de Combate e Erradicação à Pobreza, informado em campo específico da nota fiscal eletrônica e da EFD-ICMS, é igualmente ignorado pelo Fisco Federal.
Assim, para os contribuintes que efetuam pagamentos de ICMS não objeto de compensação escritural, o crédito de Contribuição ao PIS e de Cofins, calculado com base no ICMS pago, é superior àquele atualmente considerado pela Solução de Consulta Interna nº 13/2018.
Conforme visto acima, a Receita Federal, ao eleger os campos da EFD dos quais deve ser extraído o ICMS a ser excluído da base de cálculo da Contribuição ao PIS e da Cofins, desconsiderou as peculiaridades de diversos contribuintes, donde se extrai a pronta necessidade de reforma da Solução de Consulta Interna nº 13/2018.
Portanto, ainda que prevaleça a tese de que o ICMS a ser excluído da base de cálculo da Contribuição ao PIS e da Cofins é o recolhido, o valor do crédito apurado será maior do que aquele atualmente considerado pela Receita Federal para aqueles contribuintes que efetuam recolhimento de ICMS apartado da compensação escritural, como, por exemplo, aqueles que importam mercadorias ou insumos ou recolhem ICMS a título de Difal, ICMS antecipado ou adicional de fundo de combate à pobreza.
*Fonte: jota.info
CAMILA PELIZARO DE ARRUDA CAMARGO – MBA em Gestão Tributária (FIPECAFI). Especialista em Direito Tributário (COGEA/SP). Graduada em Direito (Mackenzie). Advogada em São Paulo.
MARIA CAROLINA MALDONADO MENDONÇA KRALJEVIC – Mestre em Direito Tributário (PUC-SP). Pós-graduada em Direito Tributário Internacional (IBDT). Graduada em Direito (Mackenzie) e em Contabilidade (Trevisan). Advogada em São Paulo.