Garantias ao crédito tributário nos tribunais federais
Em 2020, o Núcleo de Direito Tributário do Mestrado Profissional da FGV Direito SP concluiu pesquisa que visava investigar o impacto da exigência de garantia no acesso ao Judiciário. A partir do estudo da literatura jurídica, de decisões judiciais coletadas sistematicamente e, por fim, da análise econômica do impacto de garantias como a carta de fiança e o seguro, a pesquisa se processou em nível interdisciplinar, do campo do direito ao da economia.
Em nossa análise empírica de mais de 2000 decisões, consideramos aspectos qualitativos e quantitativos de acórdãos provenientes dos Tribunais Regionais Federais e do Superior Tribunal de Justiça que nos permitiram coletar dados sobre quais as teses mais recorrentes, os valores depositados, se as decisões foram produzidas por votação unânime, quais garantias são as mais comumente ofertadas, entre outros aspectos.
A distribuição dos tipos processuais e sua relação com a totalidade de casos nos revela aspectos importantes do perfil de casos encontrados. Em um universo amostral de 597 casos relevantes, os tipos mais frequentes foram execuções fiscais e ações antiexacionais cautelares, seguidas pelo mandado de segurança, ação anulatória e, por fim, ação declaratória. Essa distribuição pode ser observada no seguinte gráfico:
Com relação aos tipos de garantia que encontramos, o rol é bastante variado. O mesmo quanto aos tipos de discussão que essas garantias envolvem.
Dentre os casos classificados como relevantes, notamos que a carta de fiança é o tipo de garantia mais presente, junto com a penhora ou depósito em dinheiro, seguido pelo seguro, pela penhora de bem imóvel e, por fim, de bem móvel.
Na fase de análise de decisões judiciais, conseguimos obter respostas a duas perguntas que nos propusemos. A primeira questiona se a concessão de medidas acautelatórias estaria vinculada à apresentação de caução para fins de suspensão de exigibilidade. A segunda indaga se os Tribunais Regionais Federais e o Superior Tribunal de Justiça têm considerado taxativos os incisos do artigo 151 do Código Tributário Nacional.
No caso da primeira pergunta, concluímos que, sim, as medidas acautelatórias, no contexto analisado, têm sido concedidas em contrapartida à apresentação de garantia. De nossa análise qualitativa, extraímos, ainda em resposta à primeira pergunta, que a exigência de garantia é bastante frequente, prevalecendo em 98% dos casos em que essa questão foi discutida, sem diferença significativa se consideramos apenas as ações antiexacionais ou todos os tipos processuais.
Com relação à segunda questão, temos que o seguro e outras modalidades de caução são, sim, aceitas para fins de suspensão da exigibilidade do crédito tributário em ações antiexacionais, porém em uma minoria dos casos observados.
Com base na análise das decisões, chegamos à conclusão de que os incisos do artigo 151 do CTN são considerados taxativos para fins de suspensão de exigibilidade na maioria dos casos – precisamente em 84% dos casos em que se discutiu tal questão.
Nos casos analisados, a interpretação majoritária de taxatividade dos incisos do artigo 151 do CTN implica a não aceitação de outras modalidades de garantia, como a fiança, o seguro e a penhora de bem imóvel.
Isso significa que, segundo expressiva maioria dos Tribunais Regionais Federais e do Superior Tribunal de Justiça, o depósito em dinheiro é a única garantia apta a suspender a exigibilidade do crédito tributário.
Na terceira parte de nossa pesquisa, exploramos a interface de direito e economia para nos aproximar do impacto econômico da prestação de garantia de satisfação do crédito tributário, principalmente na forma como ocorre no Brasil.
Identificamos que, dentre as possíveis garantias, o depósito é a modalidade que implica maior custo financeiro, além de tornar os valores indisponíveis para utilização nas operações das empresas. A fiança bancária, de seu turno, pode apresentar custo de capital menor ou até igual ao depósito para algumas empresas, mas tem a vantagem de não comprometer recursos financeiros em espécie.
A fiança é, porém, mais custosa do que o seguro, modalidade que apresentou os menores custos no período de 2015 a 2019. Por não ser uma operação bancária, além de não implicar risco de crédito para a seguradora, o seguro mostrou, como vantagem, o fato de não envolver concessão de crédito.
Dessa forma, os recursos financeiros da empresa não ficam comprometidos, não havendo utilização de linhas de crédito junto a bancos, nem abalo quanto a sua capacidade de investimento.
Além de menos oneroso ao mercado como um todo, o seguro apresenta considerável potencial de exploração, sem risco de insuficiência do mercado para honrar esse tipo de compromisso.
A título de exemplo, considerando que o valor total do estoque dos processos administrativos a ser julgado no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais em dezembro de 2019 era de R$ 628.502.592.201,24, se todos esses processos fossem judicializados com a contratação de correspondente seguro, o total dos prêmios seria de R$ 31.425.129.610,06, o que representa 28% dos prêmios totais de seguros auferidos no ano de 2019, de acordo com dados da Susep.
Essa quantia não seria significativa a ponto de colocar o mercado em risco, especialmente à luz da improbabilidade fática do cenário de judicialização integral dos casos.
Do lado econômico da pesquisa, concluímos que existem garantias, como o seguro e a fiança, que de fato são menos onerosas aos atores privados. Dentre essas garantias tidas por menos onerosas, o seguro é a opção mais eficiente. Em contrapartida, concluímos que a imposição de garantias que são mais onerosas pode afetar, em grau maior ou menor, seu acesso à justiça, efeito potencializado em cenários de crise econômica.
*Fonte: jota.info
TATHIANE PISCITELLI – Professora da FGV Direito SP. Presidente da Comissão Especial de Direito Tributário da OAB/SP.
PAULO CESAR CONRADO – Professor da FGV Direito SP. Juiz Federal em São Paulo, SP.
JULIANA FURTADO COSTA ARAUJO – Procuradora da Fazenda Nacional, atuando como procuradora-chefe da Defesa na PRFN/3ª Região e professora da FGV/Direito SP
CAIO FERRARI DE CASTRO MELO – Advogado. Mestrando em Direito pela Faculdade de Direito da USP.
GIOVANNA DIAS NEY – Graduanda em Direito Pela Universidade Cruzeiro do Sul. Pesquisadora da FGV Direito SP.