É ilegítima a antecipação da cobrança do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) para o momento da entrada mercadorias provenientes de outros estados da federação, quando estabelecida mediante decreto executivo, desprovida de lei ordinária.
Esse foi o entendimento empregado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do Recurso Extraordinário nº 598.677, encerrado em 26 de março de 2021, submetido ao regime da repercussão geral, que irradia efeitos vinculantes a todos os órgãos do poder judiciário (erga omnes), doravante obrigados a adotar idêntico entendimento.
Embora resolvido o mérito em agosto do ano anterior, foi estabelecida a tese de que: “A antecipação, sem substituição tributária, do pagamento do ICMS para momento anterior à ocorrência do fato gerador necessita de lei em sentido estrito. A substituição tributária progressiva do ICMS reclama previsão em lei complementar federal”.
Em apertada síntese, entendeu-se no julgamento que a antecipação do imposto não constitui mera antecipação do pagamento, mas do próprio fato gerador, sem o qual sequer existiria obrigação tributária e tampouco o dever de pagar do contribuinte, concernente então ao critério temporal da regra matriz de incidência tributária.
Assim, conforme designa o artigo 150, parágrafo 7º da Constituição, para antecipação do imposto é imprescindível a existência de lei ordinária, não sendo suficiente decreto executivo, notadamente quando a operação não esteja submetida ao regime da substituição tributária, pois quando está, indo além, é imprescindível a existência de lei complementar, conforme o artigo 155, parágrafo 2º, inciso XII, alínea “b” da Constituição.
No julgamento, foi declarada incidentalmente a inconstitucionalidade da antecipação do imposto para o momento da entrada das mercadorias no território do Estado do Rio Grande do Sul, quando provenientes de outros estados da federação, conforme disciplina o artigo 46, inciso VI do Decreto nº 40.900 de 1991, com arrimo na permissão conferida no artigo 24, parágrafo 7º da Lei nº 8.820 de 1989.
Daí se infere que, ao contrário que que possa sugerir uma análise superficial, o decreto executivo que designava a antecipação do imposto possuía lastro em lei ordinária, mas essa continha delegação genérica e irrestrita, conferindo “carta branca” incompatível com a estrita legalidade tributária, eis que somente a lei em sentido estrito (ordinária) compete definir os critérios da regra matriz de incidência tributária.
Assim, ainda que antecipação do imposto mediante decreto executivo seja permitida por lei ordinária, é imprescindível que a delegação não seja genérica e irrestrita (em branco), mas que descreva ao menos os elementos fundamentais da norma impositiva, de modo que contenha “suficiente densidade normativa”.
Com idêntica ratio dicidendi, também está inquinada de vício insuperável a antecipação do imposto procedida pelo estado de São Paulo, para o momento da entrada das mercadorias em seu território, quando provenientes de outros estados da federação, conforme disciplina o artigo 426-A do Decreto nº 45.490 de 2000, com arrimo na permissão conferida no artigo 2º, parágrafo 3º-A da Lei nº 6.374 de 1989[1].
Inobstante a antecipação do imposto instituída pela norma paulista, ao contrário do que ocorre no precedente, recaia sobre operações submetidas ao regime da substituição tributária, não escapa do alcance dos efeitos vinculantes que são irradiados desse, pois como o os ministros cuidaram de inserir na tese estabelecida, indo além, nesta hipótese é imprescindível a existência de lei complementar, conforme o artigo 155, parágrafo 2º, inciso XII, alínea “b” da Constituição.
Com acato a esse excelente precedente, que já aproveita aos contribuintes, em seus termos, contra a cobrança antecipada do imposto, indo além, ainda é possível argumentar que, mesmo quando a operação não esteja submetida ao regime da substituição tributária, seria imprescindível para a antecipação do imposto a existência de lei complementar, e não de mera lei ordinária como estabelecido.
Pois, como já visto anteriormente, acarreta mais do que a mera antecipação do pagamento, mas do próprio fato gerador, eis que afeta o critério temporal da regra matriz de incidência tributária, incorrendo em matéria reservada à lei complementar, conforme o artigo 146, inciso III, alínea “a” da Constituição.
Com efeito, a antecipação do imposto não submetida ao regime da substituição tributária sequer se subsumiria à hipótese descrita no artigo 150, parágrafo 7º da Constituição, que a toda evidência abrange somente as operações submetidas ao regime da substituição tributária, eis que cinge-se à imputação de responsabilidade tributária a terceiro, ao passo que na antecipação pura e simples, o sujeito passivo da obrigação tributária não é alterado, mas tão somente o átimo temporal da obrigação tributária[2].
Por derradeiro, embora essa matéria não tenha sido objeto de análise no precedente, a antecipação do imposto sobre operação não submetida ao regime da substituição tributária também esbarraria na vedação a arrecadação de tributo cujo fato gerador ainda não ocorreu, conforme o artigo 37, inciso I da Lei Complementar nº 101 de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), também por esse motivo exigindo a existência de lei complementar.
A única exceção estabelecida pela norma à vedação imposta a antecipação do imposto consiste nas operações submetidas ao regime da substituição tributária, com as quais não se confunde eis que a antecipação pura e simples, como visto há pouco, eis que não afeta a sujeição passiva da obrigação tributária, mas ao critério temporal de sua materialidade.
Por um fundamento ou outro, deve ser rechaçada a antecipação da cobrança do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) para o momento da entrada mercadorias provenientes de outros estados da federação, quando estabelecida mediante decreto executivo, desprovida de lei ordinária.
*Fonte: jota.info
ALEKSANDROS MARKOPOULOU