CARF: desnecessidade do desconto de 6% do empregado a título de vale-transporte
A Lei nº 8.8212/91, em seu artigo 28, §9º, alínea “f”, dispõe que o vale-transporte não compõe o “salário de contribuição” e, portanto, está fora do campo de incidência das contribuições previdenciárias, desde que pago “na forma da legislação própria”.
Nesse sentido, a lei regulamentadora – Lei nº 7.418/95 – postula que o benefício não tem natureza salarial nem se incorpora à remuneração para quaisquer efeitos, inclusive para fins de incidência das referidas contribuições. Entendimento esse reprisado no artigo 458 da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT).
Por sua vez, o Decreto nº 95.247/1987 determina que as verbas pagas a título de vale-transporte não se incorporam à remuneração para quaisquer efeitos, desde que exista a participação do empregado no custeio do benefício.
Com base nestes dispositivos, a Receita Federal do Brasil (RFB) firmou entendimento que, para que o vale-transporte não integre a base de cálculo das contribuições previdenciárias, o empregado deverá arcar com uma parcela equivalente do benefício, mediante o desconto em folha de pagamento pelo empregador, e o empregador custear a outra parcela do benefício.
Pode-se dizer, entretanto, que esse entendimento vem sendo superado. O primeiro ponto que nos leva a tal conclusão é o fato de que o Supremo Tribunal Federal (STF) há muito já reconheceu que o benefício vale-transporte tem natureza indenizatória e, mesmo quando pago em dinheiro, não serve de base de cálculo para fins de tributação sobre a folha.
Nesse sentido, importa notar que a Instrução Normativa nº 1.867/2019 – que trouxe alterações na Instrução Normativa nº 971/2009 –, introduziu nova redação do artigo 58, deixando de constar o requisito “na forma da legislação própria” para que o benefício possa não ser tributado.
Contudo, tal novidade não conferiu a segurança necessária a respeito desnecessidade da participação do empregado no custeio do benefício para afastar a tributação. Isso porquê o § 1º do mesmo dispositivo determina que “as parcelas referidas neste artigo, quando pagas ou creditadas em desacordo com a legislação pertinente, integram a base de cálculo da contribuição previdenciária para todos os fins e efeitos, sem prejuízo da aplicação das cominações legais cabíveis”.
Mais recentemente, o Decreto nº 10.410/2020, que alterou o Regulamento da Previdência Social (Decreto nº 3.048/1999), postulou que “a parcela recebida a título de vale-transporte, ainda que paga em dinheiro, na forma da legislação própria” não deve ser tributada.
Mesmo diante de tal cenário normativo, a RFB manteve seu entendimento de que a legislação que rege o vale-transporte seria aplicada, de modo que o desconto do percentual de 6% manter-se-ia como requisito necessário para exclusão desse benefício da base de cálculo das contribuições previdenciárias.
Destaca-se, nessa linha, o disposto na Solução de Consulta RFB COSIT nº 313, de 19/12/2019, e na Solução de Consulta Disit/SRRF04 nº 4.021/2020, por meio das quais a autoridade administrativa ratifica seu posicionamento de que “caso deixe de descontar este percentual do salário do empregado, ou desconte percentual inferior, a diferença deverá ser considerada como salário indireto e sobre ela incidirá contribuição previdenciária e demais tributos.”
Recentemente, em sessões realizadas no último dezembro, indo em direção oposta à acima colocada, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) manifestou-se no sentido de que a ausência de desconto ou o desconto menor do que o autorizado não descaracterizam o benefício.
Os transcritos posicionamentos do CARF fortalecem os argumentos dos contribuintes e conferem-lhes maior segurança jurídica, afastamento requisito de necessidade de participação do empregado no custeio do benefício.
As empresas, que fornecem o benefício do vale-transporte sem desconto ou mediante o desconto de percentual inferior aos 6%, encontram sólida linha argumentativa, com respaldo inclusive em decisões do CARF, para sustentar o não recolhimento de contribuições previdenciárias sobre essa verba.
*Fonte: jota.info
CRISTIANE I. MATSUMOTO – Membro do núcleo de direito tributário do Mestrado Profissional da FGV/Direito.
LUCAS BARBOSA OLIVEIRA – Membro do núcleo de direito tributário do Mestrado Profissional da FGV/Direito.
SAMARA CIGLIONI TAVARES – Advogada