Tributação da renda familiar em tempos de pandemia
Uma pesquisa realizada pela Agência Senado mostra que a renda familiar de 68% dos brasileiros diminuiu durante a pandemia do novo coronavírus. Para 26% dos entrevistados, a renda permaneceu igual e, para 6%, aumentou. O levantamento foi realizado entre 18 e 23 de abril, com 1.200 pessoas.
Ainda na faculdade eu estudava o regime tributário da renda aplicado aos contribuintes que sustentam uma família, tema que deu origem ao meu trabalho de monografia apresentado na conclusão do curso; a tributação da renda familiar é muito discutida na Europa, mas no Brasil nunca recebeu a merecida atenção.
A família é reconhecida pela Constituição da República como a “base da sociedade”, a ser garantida mediante “especial proteção do Estado” (art. 226, caput, CRFB/88). No âmbito tributário, a tarefa de reconhecer a união de indivíduos como instituição e núcleo de vida vai além, repercute na capacidade contributiva e requer uma atenção especial, para atender e preservar o mínimo existencial em um lar.
O tema se torna ainda mais sensível quando debates sobre reforma tributária ignoram a matéria, sobretudo quando estamos diante de uma pandemia que mudou os costumes e virou a economia de cabeça para baixo, comprometendo o trabalho e o sustento das famílias.
A taxação da renda dos integrantes da família deve gravitar em torno de 3 (três) grandes pilares: (i) a função social que a vida em família representa; (ii) a capacidade contributiva dos seus cônjuges e, por consequência, a igualdade tributária; e (iii) a exigência constitucional dos incentivos tributários à família.
Nesse sentido, há desigualdades manifestas na tributação das famílias em que apenas um dos membros aufere rendimentos, seja perante contribuintes solteiros, seja frente às famílias em que ambos os cônjuges trabalham e geram renda.
Logicamente, uma família com 2 filhos onde apenas um cônjuge aufere rendimentos, não possui a mesma disponibilidade econômica que uma família com 2 filhos onde os dois cônjuges geram proventos.
Isso representa um tratamento desigual em detrimento a entidade familiar e acaba por lesar não apenas os princípios da isonomia tributária e da capacidade contributiva, mas o próprio imperativo da proteção estatal.
Uma solução adequada para reverter a disparidade sem abalar a neutralidade tributária seria simplesmente aumentar, de forma significativa, o valor da dedução fixa, estabelecendo-a num patamar mais realista, que se aproxime dos gastos efetivos com dependentes. Porém, tal metodologia tem se mostrado ineficiente no sistema tributário brasileiro nos últimos anos e vulnerável sob a ótica da fraude fiscal.
Por outro lado, devemos pensar em outros métodos de efetivo incentivo fiscal às famílias, tais como o “splitting” ou “quociente familiar” aplicado nos EUA e em alguns Países da Europa, respectivamente.
Tal método traz a ideia de que a capacidade contributiva apenas surge após o preenchimento das necessidades básicas do lar e nunca sobre estas, sendo essa a relação existente entre capacidade contributiva e o mínimo existencial.
É sabido que o método de tributação da renda no Brasil é o da tributação individual progressiva, onde cada contribuinte é tributado de acordo com a sua renda observando a progressividade das alíquotas.
O simples manejo de alíquotas de impostos no Brasil, empiricamente, já demonstrou que a prática nem sempre impacta na arrecadação ou aumento efetivo do imposto, tampouco na real adequação à capacidade econômica do contribuinte.
Dessa forma, um método conjunto de tributação tende a ser mais eficiente e equilibrado, onde o contribuinte é tributado efetivamente de acordo com as despesas e a quantidade de integrantes na família e não tratado individualmente, mas como unidade familiar para fins de taxação da renda.
Criado nos Estados Unidos em 1930, após a grande crise econômica de 1929, o “splitting” consegue captar a real capacidade contributiva dos contribuintes, nele, os cônjuges podem somar os seus rendimentos líquidos e dividi-los por dois para oferecer à tributação, atraindo com isso alíquota mais benéfica e uma redução na apuração do imposto a pagar.
Assim, numa família em que apenas um dos cônjuges aufere renda, o método split permite considerar o outro integrante na declaração, sendo mais efetivo na representação da real capacidade econômica da família.
Além dos Estados Unidos, Alemanha, Portugal e França praticam tais regras. Adotando a prática fiscal no Brasil, com as atuais alíquotas progressivas do IR, à título ilustrativo, temos que: se a família obtém renda líquida mensal de R$ 5.000,00 mil (cinco mil reais), auferida por somente um dos cônjuges, ficaria sujeita à alíquota máxima (27,5%), pagando R$ 1.375,00 de imposto.
Já na sistemática do splitting, a conta seria diferente, a renda de R$ 5.000,00 seria dividida entre os dois cônjuges, resultando no rendimento de R$ 2,5 mil para cada, aplicando-se assim a alíquota de 7,5%, isto é, um total de R$ 375,00 reais devidos pela família ao Estado.
Já a técnica Francesa, denominada “quociente familiar”, consiste em dividir a renda de modo global, considerando todos os integrantes da unidade familiar. A divisão é feita entre os cônjuges e, também, entre os filhos. Cada filho corresponde a meia parte na divisão.
Ou seja, se um contribuinte casado possui dois filhos, a renda será dividia em 3 (três), para após ser aplicada alíquota correspondente ao valor alcançado: 1 (cônjuge 1) + 1 (cônjuge 2) + 0,5 (filho) + 0,5 (filho) = 3.
Os efeitos da técnica do splitting ou quociente familiar são diversos, além da função fiscal de benefício às famílias, para equilibrar a capacidade contributiva, também a função extrafiscal do imposto. Tal sistemática pode incentivar o matrimônio e aumentar a taxa de natalidade. No Brasil, a tendência de queda na taxa de natalidade não é novidade e é cada vez mais expressiva;
Segundo pesquisas do IBGE, a proporção de famílias formadas por casais sem filhos cresceu 33% no Brasil entre 2004 e 2013. Ao longo desse período, houve queda de 13,7% na proporção dos casais com filhos (de 50,9% para 43,9%).
Já o número de casais sem herdeiros cresceu de 14,6% para 19,4%. Em 2013, um em cada cinco casais brasileiros não tinha filhos. Consequentemente, a taxa de natalidade sofreu uma queda de 20,14% em 1995 para 13,69% em 2020. Boa parte da nova geração de jovens sequer cogita filhos, quando sim, apenas um. A tendência é de envelhecimento da população.
Dessa forma, se a reforma previdenciária é um problema demográfico, tal medida pode ajudar a afastar a ameaça invisível da demografia. Além disso, aliviar a taxação da renda familiar no Brasil nesse momento de pandemia, poderá incentivar o consumo de mercadorias e serviços, aquecendo indiretamente a economia.
De qualquer forma, o importante é enfatizar o tema, que merece maior debate em meio às mudanças e ao novo normal trazido pela pandemia Covid-19.
*Fonte: jota.info
LUIGI TERLIZZI – Advogado, especialista em direito empresarial e tributário, mestrando em Direito Empresarial pelo ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa.