O Supremo Tribunal Federal (STF) permitiu nesta quinta-feira (10/12) que, quando autorizado por lei, o Executivo mude as alíquotas de PIS e Cofins por decreto dentro do teto definido previamente pelo Congresso. O placar ficou em 8×1 para permitir a mudança de alíquotas por parte do governo federal, quando autorizado pelo Legislativo.
Com o entendimento ficam mantidos os decretos do Executivo que criaram regimes especiais para o setor de álcool combustível e os decretos que elevaram de zero para 4,65% a alíquota incidente sobre receitas financeiras – isto é, receitas com ações, títulos e debêntures.
Na ADI 5277 e no RE 1.043.313, os ministros avaliaram que o Executivo pode alterar as alíquotas dentro das balizas determinadas pela lei do Congresso que estabelece a prerrogativa, desde que o governo respeite a regra da anterioridade nonagesimal – isto é, desde que no caso de elevação de alíquota o percentual mais alto seja cobrado apenas 90 dias depois da publicação do decreto.
Receitas financeiras e álcool
A lei 10.865/2004 estabeleceu a alíquota cheia de PIS e Cofins sobre receitas financeiras em 9,25% e delegou ao Executivo a prerrogativa de alterar o percentual dentro desse limite. No ano seguinte, o governo federal reduziu a alíquota a zero. O benefício fiscal durou 10 anos, até que em 2015 o governo fixou a alíquota em 4,65%.
De maneira semelhante, amparado pelas alterações de 2008 na lei 9.718/1998, o Executivo editou decretos com regimes especiais de PIS e Cofins para o setor de álcool. Os regimes permitem o recolhimento com base na cobrança de um valor fixo por metro cúbico de combustível. Os produtores podem optar por essa sistemática caso seja mais vantajosa que a tradicional – via aplicação de alíquota sobre a receita bruta da venda de álcool.
O contribuinte defendia que a Constituição só permite a mudança de alíquotas por decreto quando o objetivo for reduzir a tributação. Nos casos de aumento de carga tributária, segundo a defesa, independentemente da delegação ao Poder Executivo é necessária aprovação de lei para definir a alíquota.
Entretanto, o STF não acolheu essa interpretação. Para a corrente majoritária, liderada pelo ministro Dias Toffoli, se o Judiciário autorizar a delegação das prerrogativas ao Executivo, o governo federal terá o poder de reduzir e aumentar a alíquota, desde que dentro do teto de 9,25%.
Se, ao contrário, o colegiado tivesse afastado a prerrogativa do Executivo, seriam anulados todos os decretos editados, inclusive os que beneficiaram as empresas. Isto é, seriam anulados os regimes especiais do álcool e a Receita Federal poderia tentar cobrar retroativamente os 10 anos em que as empresas tiveram direito à alíquota zero sobre receitas financeiras.
Caso os regimes especiais fossem derrubados, os produtores de álcool teriam um prejuízo estimado em R$ 19 bilhões segundo a FGV em estudo apresentado pelo Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis (Sindicom). Como foram mantidos, o setor de combustíveis não terá perdas.
Se o Supremo tivesse derrubado apenas o decreto que estabeleceu a alíquota de 4,65%, qualquer empresa (exceto instituições financeiras) que recolhe o PIS e a Cofins no regime não cumulativo poderia pedir a restituição de valores pagos indevidamente. Porém, com a decisão do Supremo, a alíquota de 4,65% se mantém e o contribuinte não tem direito à restituição.
‘Elevador de alíquotas’
Relator dos dois processos, o ministro Dias Toffoli liderou a corrente vencedora. Ele ressaltou que o governo federal costuma ter mais proximidade com o dia-a-dia dos setores econômicos que o Congresso, de forma que teria melhores condições de ponderar motivos extrafiscais, como a volatilidade de preços e a taxa de juros.
“Evidente que o Poder Executivo ao fixar tais coeficientes pode e deve levar em conta os diversos aspectos da realidade fenomênica, coisa que o Poder Legislativo não tem tempo e hora para fazer. É impossível o Poder Legislativo a todo momento aqui e agora estar estabelecendo esse conhecimento. Por isso delega ao Executivo”, argumentou.
Além de Toffoli, os ministros Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Gilmar Mendes, Roberto Barroso Ricardo Lewandowski e Rosa Weber votaram nesse sentido. Ficou vencido o ministro Marco Aurélio.
O ministro Alexandre de Moraes avaliou que se o Supremo declarasse a lei inconstitucional o maior prejudicado seria o próprio contribuinte. Isso porque os ministros consideraram que não há aumento de tributação quando respeitado o teto estabelecido na lei.
“É um elevador de alíquotas respeitando o teto. Não se pode dizer que a delegação [ao Executivo] a favor [do contribuinte] é constitucional e a delegação que não é contra [o contribuinte], mas é voltada para o estado, é inconstitucional. Ou as duas são ou nenhuma é. E acredito que nenhuma é inconstitucional dentro dessa autorização legal específica”, afirmou.
Ainda, o ministro Nunes Marques acrescentou que a delegação estabelecida em lei observou os princípios democráticos e a vontade do Congresso.
“No contexto de maior flexibilidade ao Poder Executivo de fazer políticas regulatórias por meio de atos infralegais, mas dentro da competência atribuída pelo legislador, não podemos desconsiderar o risco de enrijecimento da administração e a necessidade de se manter certo dinamismo para que se possa fazer frente aos desafios que surgem”.
Amicus curiae no RE com repercussão geral reconhecida, a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) argumentou que o decreto provoca um aumento de tributação desrespeitando o princípio da legalidade. Assim, a norma teria desrespeitado o artigo 150 da Constituição.
“A Constituição Federal em vários dispositivos reforça e garante ao administrado a proteção da lei. Estabeleceu expressamente o artigo 150 que não haverá aumento, majoração e criação de tributo senão por lei. [O artigo se aplica à] majoração, e não à redução de carga fiscal”, afirmou o advogado Fabio Calcini, representante da Abag.
Já o Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e Lubrificantes (Sindicom), na condição de amicus curiae na ADI, pediu que o STF fizesse a modulação de efeitos da decisão caso declarasse a lei inconstitucional e derrubasse os regimes especiais do álcool.
Segundo estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV) apresentado pela entidade, se o regime especial que permite o recolhimento por metro cúbico de álcool for cancelado retroativamente e as empresas tiverem que recolher as contribuições aplicando as alíquotas sobre a receita bruta, o impacto financeiro para o setor corresponderia a cerca de R$ 19 bilhões.
Além disso, considerando o preço médio do álcool praticado em São Paulo, para pagar a dívida em um ano o estudo projeta que o preço na bomba subiria de R$ 2,76 para R$ 3,99. A elevação estimada em 44% também afetaria, segundo o estudo, o preço da gasolina e do diesel.
“A FGV ainda indica reflexos indiretos de um julgamento que deixasse de modular os efeitos da decisão. Teríamos consequências econômicas gravíssimas: incremento em bloco dos preços de combustíveis como um todo e aumento da pressão inflacionária, o que causa impacto nas taxas de juros e de câmbio”, argumentou a tributarista Ariane Guimarães, representante do Sindicom.
*Fonte: jota.info