Desde 15 de março de 2017, data do fatídico julgamento do RE nº 574.706/PR (tema 69 da repercussão geral) pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o Poder Judiciário vem recebendo uma enxurrada de ações discutindo a inconstitucionalidade e ilegalidade da incidência de tributos sobre tributos, teses conhecidas na comunidade jurídica como “filhotes” do leading case.
De fato, o julgamento da “exclusão do ICMS da base de cálculo das contribuições ao PIS e da Cofins” reanimou o contencioso judicial tributário e, como não podia ser diferente, trouxe outras consequências que, se não analisadas com o devido cuidado, podem agravar ainda mais as disfuncionalidades e distorções já tão conhecidas em nosso Sistema Tributário atual.
Não queremos aqui discutir se o ICMS a ser excluído das referidas contribuições é aquele efetivamente recolhido, ou o destacado em nota fiscal, mas convidá-los à reflexão sobre os motivos pelos quais o caminho para as contribuições ao PIS e à Cofins incidentes sobre o ICMS-ST é a inclusão do imposto estadual na base de crédito, e não a sua exclusão da base de cálculo.
O efeito prático é o mesmo, porém, o raciocínio lógico-jurídico é diverso, e os pontos por nós destacados abaixo poderão elucidar melhor a questão.
Em termos de abrangência, as discussões (“exclusão do ICMS-ST da base de cálculo” e “inclusão do ICMS-ST na base de crédito”) possuem diferente potencial de impacto nos cofres da União, dado que a base de contribuintes na tese de inclusão na base de crédito é muito menor, pois não alcança as empresas tributadas pelo lucro presumido. Dessa forma, uma tem sobre a outra eventual vantagem decorrente do velado “apelo político/econômico”.
No que diz respeito ao raciocínio lógico-jurídico, é preciso, primeiramente, destacar que o ICMS-ST nunca compôs a base de cálculo das contribuições ao PIS e da Cofins, por expressa previsão legal do art. 3º da Lei nº 9.718/98, aplicável ao PIS e à Cofins, o qual estabelece que o faturamento compreende a receita bruta definida pelo art. 12 do Decreto-Lei nº 1.598/77, que por sua vez, no seu § 4º, exclui do conceito de receita bruta os tributos não cumulativos cobrados, destacadamente, do comprador ou contratante pelo vendedor dos bens ou pelo prestador dos serviços (ICMS-ST).
Por outro lado, por mera arbitrariedade da Receita Federal do Brasil (RFB) os contribuintes revendedores de produtos sujeitos à substituição tributária do imposto estadual não podem apurar e aproveitar (descontar) créditos de PIS e Cofins sobre o valor do ICMS-ST incidente na etapa anterior, não obstante esta parcela, não recuperável, corresponder ao custo de aquisição da mercadoria.
O principal argumento do Fisco para não caracterizar o ICMS-ST como custo de aquisição, expresso em Solução de Consulta (SC) nº 84/2007, da 1ª Região Fiscal, é que o ICMS-ST seria “mera antecipação de imposto devido pelo contribuinte substituído”.
No entanto, a compreensão da RFB acerca da matéria está ultrapassada, haja vista que desde 2002 o STF tem sedimentado que o fato gerador do ICMS-ST é definitivo, não consistindo em mera antecipação de impostos.
Isso porque, a incidência do ICMS-ST se dá sobre a saída da mercadoria do estabelecimento do contribuinte substituto (fornecedor), tomando-se como base de cálculo uma medida presumidamente estabelecida em lei.
Assim, ao antecipar a própria incidência do imposto, a lei desloca o critério temporal da regra-matriz de incidência tributária do ICMS-ST, retirando-o da saída do estabelecimento do contribuinte substituído, uma vez que a incidência já ocorreu quando da saída do estabelecimento do substituto.
Não obstante, a Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRFB), disciplinando a matéria nas Instruções Normativas (IN) nºs 247/2002 e 404/2004, posteriormente revogadas pela IN nº 1.911/2019, orientou sobre quais insumos passíveis de aproveitamento de créditos e, igualmente, definiu o que integra o custo dos bens, dispondo que o IPI incidente na aquisição, quando não recuperável, compõe o custo de aquisição.
A incongruência fiscal não para por aí, pois em SC nº 60, datada de 13 de novembro de 2012, o Órgão de Fiscalização admite que o ICMS-ST compõe o custo de aquisição, todavia, apenas para excluí-lo das despesas dedutíveis da base de cálculo do IRPJ.
Assim como para IPI, a legislação do IRPJ (art. 301, § 3º, do RIR/18) prevê expressamente que “os impostos recuperáveis por meio de créditos na escrita fiscal não integram o custo de aquisição.”
Por fim, com o objetivo de reforçar o raciocínio lógico-jurídico pelo caminho da inclusão do ICMS-ST na base de crédito das contribuições ao PIS e da Cofins, vale destacar que a própria IN nº 1.911/2019, em seu art. 183, § 2º, dispõe que, no âmbito das aludidas contribuições: “Os valores do ICMS e do IPI, quando recuperáveis, não integram o valor do estoque a ser utilizado como base de cálculo do crédito”.
Nessa linha, a RFB também admitiu, na SC nº 580/2017, que “a pessoa jurídica que alterar a forma de tributação do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica, de lucro presumido para lucro real, terá direito a desconto na determinação da Cofins, de crédito presumido correspondente ao estoque de abertura dos bens adquiridos de pessoa jurídica domiciliada no país para revenda ou para utilização como insumo na fabricação de produtos destinados à venda ou na prestação de serviços, desde que atendidos todos os requisitos normativos e legais atinentes à espécie (…)”.
Ora, enquanto no ICMS “normal” o valor do imposto não compõe o custo da mercadoria, no ICMS-ST, o valor incidente na etapa anterior e o da etapa posterior compõe o custo em estoque, implicando reconhecer, portanto, que a própria RFB considera o custo do estoque para fins de crédito do PIS e da Cofins, sendo certo que nesse custo está incluído o valor do ICMS-ST.
Em suma, a RFB entende que (i) o ICMS e o IPI, quando não recuperáveis, compõem o custo de aquisição para creditamento de PIS/Cofins; (ii) o ICMS-ST compõe o custo de aquisição para exclusão das despesas dedutíveis da base de cálculo do IRPJ; e (iii) que é permitido, no âmbito do PIS e da Cofins, o creditamento presumido correspondente ao estoque de abertura, sendo que o ICMS-ST compõe o valor do estoque.
Porém, valendo-se de sua interpretação por conveniência, a RFB não admite o creditamento de PIS e Cofins sobre o ICMS-ST incidente na aquisição de mercadoria, alegando que a parcela não corresponde a custo de aquisição, ainda que não recuperável.
Por tais motivos, ainda que breves, entendemos não haver fundamentos para a sustentação do entendimento fiscal, o que, inclusive, já vem sendo acatado nos recentes acórdãos proferidos pela 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), cujos critérios balizadores consistem exatamente em definir que o ICMS-ST compõe o custo de aquisição, e é parcela não recuperável na escrita fiscal.
*Fonte: jota.info
PEDRO JARDIM – Advogado tributarista.
RAFAEL SANTIAGO – Advogado tributarista.