PIS e Cofins: despesas com vale-transporte e discussão sobre conceito de insumo
Neste mês, completam três anos da publicação da decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no REsp 1.221.170/PR, que buscou dar definitiva interpretação ao conceito de “insumo” para fins de apropriação de créditos de PIS e COFINS. Apesar de a discussão sobre o tema ter progredido e, em muitos pontos, ter sido esclarecida na ocasião do julgamento, ainda existem fortes controvérsias e o embate técnico firmado entre contribuintes e Poderes Executivo e Judiciário está longe de ter um ponto final.
Este é o caso das despesas com vale-transporte. Sendo o transporte fornecido pelas empresas aos empregados por força da Lei nº 7.418/ 1985 e Decreto nº 95.247/1987, a legitimidade do crédito de PIS e COFINS em relação a essa despesa ainda é objeto de grande debate e, por vezes, tem obrigado contribuintes de boa-fé a buscarem na Justiça o reconhecimento de seu direito com base no art. 3.º, inciso II, das Leis n.º 10.833/03 e n.º 10.637/02.
O STJ, ao julgar o RESp 1.221.170/PR em sede de repetitivo em 2018, afastou a aplicação das Instruções Normativas n.º 247/02 e n.º 404/04, segundo as quais a Receita Federal do Brasil (RFB) conferia interpretação restrita e limitada ao conceito de “insumo”.
Na ocasião, a Corte Superior ampliou o entendimento do conceito e buscou determinar critérios a serem utilizados pelos contribuintes ao analisarem produtos e serviços contratados no âmbito de sua atividade, bem como o respectivo direito ao crédito de PIS e COFINS sobre tais despesas com base na legislação.
Dessa forma, restou definido que se deveria levar em consideração para fins da classificação dos insumos, a essencialidade e relevância do dispêndio e sua relação com o bom e adequado desenvolvimento da atividade empresarial fim. Para tanto, sugeriu-se a adoção do método da subtração, segundo o qual o contribuinte deveria hipoteticamente verificar se sua atividade sofreria impacto relevante em termos de eficiência, após excluir aquele produto ou serviço de sua cadeia produtiva.
No caso do vale-transporte, verifica-se que não há que se falar na aplicação desta última técnica, já que decorrente de imposição legal e, portanto, não seria razoável a subtração, na medida em que o próprio legislador conferiu a obrigatoriedade da despesa, por força de lei.
Assim, no contexto da relevância acima citada, é importante elucidar que o próprio STJ atrelou ao conceito de insumo a ideia de pertinência, segundo a qual alguns dispêndios poderiam não ser inerentes à atividade, mas seriam importantes para a obtenção de seu resultado final. Desse modo, tudo aquilo que estivesse ligado, direta ou indiretamente, a uma obrigação legal, deveria ser considerado relevante e, consequentemente, geraria direito ao crédito das contribuições, como é o caso do vale-transporte.
Considerando o que foi colocado e a íntegra da decisão do STJ, parece lógica a dedução de que: (i) tendo o STJ garantido direito a crédito de PIS e COFINS a tudo que é considerado relevante; (ii) sendo relevante tudo aquilo que decorre de imposição legal, e (iii) sendo o vale-transporte fornecido ao empregado por força de lei; essa despesa enquadra-se como insumo e pode ser objeto de aproveitamento de crédito de PIS e COFINS. Entretanto, como muitas das discussões envolvendo o complexo sistema tributário brasileiro, a conclusão não é tão óbvia quanto aparenta ser.
Recentemente foi publicada a Solução de Consulta nº 7.081, na qual a Divisão de Tributação (DISIT) da 7ª Região Fiscal da Receita Federal do Brasil (RFB) supostamente passaria a permitir créditos de PIS e COFINS sobre vale-transporte, enquadrando-o como insumo. Tal Solução de Consulta expressamente se vinculou às Soluções COSIT nº 219/2014, nº 581/2017 e nº 45/2020, publicadas anteriormente, que tratavam do mesmo assunto.
Todavia, ao se analisar a íntegra dos documentos – dentro do contexto em que foram redigidos – verifica-se que, não obstante a RFB entre no conceito de insumo ao discorrer sobre despesas com vale-transporte, a base legal das consultas e dos casos concretos sob análise dizem respeito especificamente à hipótese de creditamento do inciso X do art. 3º das Leis nº 10.637/02 e nº 10.833/03, e às empresas/atividades de serviço de limpeza, conservação e manutenção. Ou seja, até o presente momento, o órgão parece não ter proferido qualquer posicionamento sobre o tema em cenários que envolvam atividades em geral, conferindo imensa insegurança jurídica aos contribuintes na interpretação do assunto.
A leitura da íntegra da Solução de Consulta nº 7.081/2021 supracitada, aclara que a RFB está ali analisando especificamente a atividade de manutenção da consulente, nos termos do inciso X, e que sua resposta se vincula diretamente à Solução COSIT nº 219, na qual é exarado posicionamento restritivo ao direito de apropriação de créditos de PIS e COFINS sobre vale-transporte. Confira-se:
“(…) 12. Importa ainda transcrever alguns trechos da Solução de Consulta Cosit nº 219, de 6 de agosto de 2014, cujo entendimento apresenta efeitos vinculantes no âmbito desta Secretaria (…). No presente caso, observa-se que a consulente exerce várias atividades não relacionadas no inciso X do caput do art. 3º da Lei nº 10.833, de 2003. Assim, para a apuração dos créditos, nos termos do citado inciso, deve considerar os eventuais dispêndios com vale-transporte (…), relativos à mão-de-obra empregada somente na atividade de manutenção dos sistemas de abastecimento de água e esgotamento sanitário.”.
Nesse contexto – sem entrar no mérito da legitimidade de tais créditos à luz da legislação e da jurisprudência –, pode-se concluir que, com base em tais soluções de consulta, seria precipitado aos contribuintes deduzirem que a RFB passou a autorizar o crédito sobre despesas com vale-transporte às pessoas jurídicas e às atividades que não as elencadas no rol taxativo do inciso X, que prevê o direito ao crédito sobre as despesas com “ vale-transporte, vale-refeição ou vale-alimentação, fardamento ou uniforme fornecidos aos empregados por pessoa jurídica que explore as atividades de prestação de serviços de limpeza, conservação e manutenção”.
Assim, as empresas que não tenham por atividade a prestação de serviço de limpeza, conservação e manutenção e optem por passar a se creditar de PIS e COFINS sobre as despesas com vale-transporte – já que decorrentes de obrigação legal, situação essa que não se modificou desde o acórdão do STJ em 2018 –, não poderão descartar a possibilidade de serem fiscalizadas e autuadas pela RFB, sob alegação de tratarem as consultas do inciso X e não do inciso II. Por isso, considerando a falta de clareza nas redações e incertezas sobre o tema, a maneira segura de garantir o direito a tal crédito atualmente é via decisão administrativa ou judicial favorável.
No âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), ao analisar os acórdãos prolatados desde 2018, verifica-se forte tendência do órgão julgador em não considerar como insumo os dispêndios com vale-transporte para empresas em geral, que não realizem as atividades de limpeza, conservação e manutenção, tendo decidido majoritariamente de forma desfavorável aos contribuintes (acórdãos nº 3002000.624; 3001-000.939; 3302-009.389; 9303-010.724; 3201-005.065 e 3201-006.211, 3301-009.153), por entender que as despesas com transporte de funcionários teriam natureza administrativa, sendo dispensáveis à atividade empresarial, inclusive segundo o método da subtração, o qual não tem aplicabilidade em se tratando de gasto decorrente de imposição legal, como já explanado neste texto.
Todavia, bastaria ao órgão realizar simples exercício hipotético envolvendo o vale-transporte, no contexto da atividade empresarial, para que lhe fosse possível enxergar a relevância da despesa, sob a luz da legislação e do conceito de “insumo” fixado pelo STJ. Ora, não seria possível desenvolver regularmente qualquer atividade empresarial no país, sem a estrita observância à legislação vigente. Assim sendo, o gasto obrigatório e compulsório com vale-transporte deveria ser considerado insumo e, consequentemente, gerar créditos de PIS e COFINS, nessa modalidade. Infelizmente, como elucidado acima, atualmente não corroboram com essa linha de raciocínio a RFB e maioria do CARF.
Assim, a controvérsia que se instaurou acerca do conceito de “insumo” para fins de aproveitamento de crédito de PIS e COFINS, é apenas mais um dos paradoxos do falho sistema tributário brasileiro, no qual uma decisão proferida por tribunal superior, com efeitos erga omnes, segue sendo objeto de conflito e autuações pela autoridade fiscal que, aparentemente, não se restringe a examinar o tema sob o viés técnico. Vale ressaltar ainda que a essa equação deve ser somado o RE n.º 841.979/PE, em que o Supremo Tribunal Federal analisará a constitucionalidade das restrições impostas ao direito aos créditos de PIS e COFINS a luz do princípio da não-cumulatividade do art. 195, § 12, da Constituição Federal de 1988.
Em síntese, por meio da decisão do STJ, pretendia-se resolver um conflito interpretativo de norma após anos de embate, todavia, este se tornou mais um dos temas que pode ser oficialmente adicionado à infinita pauta das discussões tributárias que parecem nunca ter fim. Ao que tudo indica, uma solução definitiva apenas se dará com a publicação da esperada reforma tributária, por meio da qual promete-se tornar financeira a natureza do crédito para as contribuições ao PIS e à COFINS. Até lá, mais uma vez, os contribuintes ficam sem saber “se casam ou se compram uma bicicleta”, e se comprarem a bicicleta para o empregado ir trabalhar, restará a dúvida de se tomar ou não o crédito de PIS e COFINS.
*Fonte: jota.info
CLARISSA SILVA AMARAL SILVA FREITAS BRANDÃO – Advogada.