Integração entre comercial e tributário
Tive a oportunidade de assistir a um debate no Comitê Fiscal Empresarial Brasileiro com a participação de gerentes das áreas comercial e tributária (fiscal) de algumas empresas. O que eu vi foi realmente um debate, estimulado de maneira bastante ativa (e criativa) pelo moderador. Muito educados, cada um defendeu a primazia da sua área em detrimento da outra.
De um lado, os “vendedores” se autoproclamaram a locomotiva da empresa, já que sem eles, e sem as vendas, não há geração de riqueza que paga a remuneração dos sócios e os salários de todos os funcionários, inclusive osda área fiscal. Por outro lado, os “tributaristas” argumentaram que um descuido na gestão fiscal da empresa pode gerar contingência suficiente para consumir toda a riqueza gerada, e, portanto, a sua função era proteger a empresa.
Algumas farpas recíprocas depois, o debate foi concluído com uma posição unânime: é preciso que haja integração entre as áreas comercial e tributária da empresa.
As principais críticas dos gestores comerciais foram relacionadas à falta de comunicação mais simples por parte dos responsáveis pela área fiscal, de modo que as suas colocações são, muitas vezes, incompreensíveis (além de bastante entediantes).
Conquanto o gestor de tributos deva se esforçar ao máximo para esclarecer os impactos fiscais das operações das empresas (com razão, então, os vendedores), o fato é que significativa parcela da complexidade deve ser atribuída ao sistema tributário brasileiro, e não ao seu mensageiro, que é o profissional da área fiscal. Explicar o inexplicável, às vezes, é muito difícil.
Apenas para pontuar, em linhas gerais, osimpactos dos tributos na operação das empresas (vendas e prestações de serviços), começo elencando as imposições sobre a atividade em si, ou seja, sobre o consumo, cada qual com sua forma de apuração e controle distintos:
a) tributos aduaneiros (Imposto sobre a Importação – II e Imposto sobre a Exportação – IE);
b) Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), de competência federal;
c) Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICMS) , de competência estadual;
d) Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), de competência municipal;
e) Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS) ;
f) Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social(Cofins)
Em muitos casos, há incidência embutida de uns nos outros, como por exemplo: o IPI incide sobre o II; o ICMS incide sobre o II, pode incidir sobre o IPI e incide sobre si mesmo (o ICMS faz parte da própria base de cálculo). E, até que o Supremo Tribunal Federal (STF) se manifeste definitivamente, PIS e Cofins incidem sobre o ICMS.
Em diversos casos, as transações extrapolam as fronteiras territoriais, seja dos municípios seja dos Estados. Com isso, deve-se verificar qual ISS e qual ICMS é devido e sua forma de cálculo e recolhimento. Quanto ao ICMS, existe ainda a antecipação do recolhimento das etapas seguintes da cadeia de consumo, por meio da substituição tributária (ICMS-ST), que terá tratamento diferenciado em razão do destino da mercadoria.
Existem ainda os casos de tributos recuperáveis, ou seja, não cumulativos, que não compõem o custo da mercadoria ou do serviço para efeito de calculo do preço final. São os casos do IPI, até uma determinada etapa na cadeia de consumo, do ICMS e das contribuições PIS e Cofins, quando expressamente permitido em lei.
Finalmente, a incidência tributária pode ser por produto (de acordo com a classificação na Nomenclatura Comum do Mercosul – NCM), como acontece no IPI e, em algumas situações, na contribuição para o PIS e na Cofins.
Além desse emaranho de tributos, também o resultado da atividade está sujeito à imposição tributária, como Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) . E enganam-se aqueles que acreditam que os tributos sobre o lucro (IRPJ/CSLL) não têm impacto no cálculo do preço final das mercadorias e dos serviços. Em diversos casos esse impacto é evidente, como por exemplo: controle fiscal dos preços de transferência, incentivos à inovação tecnológica etc.
Portanto, quando a área comercial analisa, discute e toma as decisões sobre a viabilidade de um negócio (produto ou serviço) ou sobre a formação do preço final, toda essa complexidade tributária deve ser considerada com bastante cautela (e conhecimento). O risco de uma avaliação equivocada pode ser catastrófico: a lucratividade da operação ser consumida pelos tributos ou por contingência futura.
Concluo da mesma forma que o debate a que assisti: no Brasil, em razão da complexidade tributária e das elevadas penalidades aplicadas no caso de descumprimento da legislação fiscal, é imprescindível a integração entre os departamentos comercial e tributário das empresas. Os “tributaristas” devem conhecer muito bem a operação, os produtos e os serviços que serão vendidos, e os “vendedores” devem dar um voto de confiança às cautelas apresentadas pelos responsáveis pela área fiscal.
Nesse ambiente, não é raro – aliás, muitas vezes é recomendável – que os departamentos comercial e fiscal do fornecedor conversem com os departamentos comercial e fiscal do cliente, com a finalidade de encontrar uma solução conjunta para o negócio em si. Sou testemunha ocular de que essas reuniões, envolvendo as empresas, são extremamente produtivas, gerando um processo de ganha-ganha.
Fonte: Valor Econômico