Gestão Levy chega a 100 dias sem resgatar a confiança na economia
Joaquim Levy completa 100 dias à frente do Ministério da Fazenda nesta quarta-feira (15) ainda longe de alcançar seu primeiro objetivo: a reconquista da confiança de empresários e consumidores, tida como fundamental para uma retomada dos investimentos e, mais adiante, do crescimento econômico.
Os índices que buscam refletir os ânimos dos “agentes econômicos”, em queda desde o ano passado, pioraram após a posse do ministro. Em paralelo, houve uma deterioração de indicadores econômicos como a taxa de desemprego e a inflação – em parte, pelo efeito de políticas do próprio Levy, como a flutuação mais livre do câmbio e o “realismo tarifário” (veja quadro abaixo).
Para quem elogia o trabalho do ministro, o maior obstáculo está na hesitação do Planalto em apoiar as medidas da equipe econômica. A percepção de que Levy trabalha quase sozinho foi reforçada depois que a presidente Dilma encarregou ele próprio de fazer a articulação política da austeridade fiscal em um Congresso hostil como há muito não se via.
Para economistas de cunho desenvolvimentista, a missão de Levy está fadada ao fracasso pelo simples fato de que as premissas do ministro estariam erradas. Nessa hipótese, atitudes como o corte de gastos do governo vão levar a economia da estagnação à recessão, colocando em xeque o próprio ajuste fiscal, dada a possível queda da arrecadação de impostos.
“O ajuste é crível? Sim. As pessoas acreditam que ele de fato vá funcionar? Parece que não”, diz o economista Carlos Eduardo Soares Gonçalves, professor da Universidade de São Paulo (USP) e autor dos livros Economia sem truques e pequenas estórias. “Levy veio apagar o fogo aceso e alimentado por quatro anos pelo antigo ministro [Guido Mantega]. Acho que ele dificilmente poderia ter feito mais até agora. Mas o ajuste representa uma contradição tão grande em relação ao que Dilma disse e fez por quatro anos que fica difícil vendê-lo para a sociedade e o Congresso.”
Para Luciano Nakabashi, professor de Economia da USP de Ribeirão Preto, é natural que, no curto prazo, o ajuste fiscal e a retirada de incentivos piorem a situação da economia. “Para sustentar o ajuste em um cenário de economia tão fragilizada, o ministro depende muito do apoio da presidente, mais até que do apoio do Congresso.”
Fracasso à vista
Pedro Paulo Zahluth Bastos, do Instituto de Economia da Unicamp, não vê possibilidade de recuperação via ajuste fiscal. “No primeiro mandato, Dilma tentou estimular o investimento privado com subsídios. Não funcionou. Agora Levy crê que a resolução do problema fiscal vai elevar a confiança dos empresários. É trocar subsídios por promessas”, avalia.
Bastos defende que o governo amplie o investimento público, ainda que à custa de mais endividamento. “Não sairemos da crise pelas exportações, porque a demanda mundial está fraca. Nem pelo investimento privado, porque as empresas já estão com capacidade ociosa e o consumidor teme gastar. Sairemos pelo investimento público, principalmente em infraestrutura de mobilidade urbana e gestão dos recursos hídricos.”
Os dois lados da moeda
O objetivo das medidas tocadas pela equipe de Joaquim Levy visam corrigir os rumos da economia brasileira. Mas, num primeiro momento, elas têm efeitos colaterais:
REALISMO TARIFÁRIO
O governo deixou de represar os preços administrados. A retomada da cobrança de impostos federais elevou os preços do diesel e da gasolina, e o fim dos aportes de recursos do Tesouro ao setor elétrico levou a um reajuste extraordinário de 23%, em média, nas tarifas de energia – no Paraná, a alta foi de quase 37%. O fim do represamento é visto como necessário para eliminar uma série de distorções e de gastos públicos (só o corte da ajuda ao setor elétrico gerou economia de R$ 7,8 bilhões no ano), mas teve o efeito colateral de jogar a inflação para bem acima do teto da meta.
MENOS SUBSÍDIOS
O Planalto está revertendo desonerações fiscais e diminuindo os subsídios ao crédito. O encolhimento do Reintegra, um benefício aos exportadores, deve representar uma economia de R$ 1,8 bilhão no ano. A elevação da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) e das taxas do Programa de Sustentação do Investimento (PSI), junto com a queda na proporção financiável dos bens de capital, vão reduzir parte dos elevados gastos públicos com os financiamentos subsidiados do BNDES. Bons para as contas públicas, esses movimentos aumentam o custo do capital para o setor produtivo, que nos últimos anos se acostumou a tomar crédito a juro negativo, inferior à inflação.
MAIS IMPOSTOS
A elevação de alíquotas e as mudanças na forma de cálculo de impostos como PIS/Cofins (sobre combustíveis, receitas financeiras e importações), Cide-Combustíveis, IOF de pessoa física e IPI (sobre cosméticos e bebidas frias) podem elevar a arrecadação federal em quase R$ 25 bilhões neste ano. Há, além disso, a revisão da desoneração da folha de pagamento, que depende de aprovação do Congresso. E o ministro Joaquim Levy não descartou outros aumentos de impostos. Essas medidas melhoram a arrecadação federal, mas incrementam a já elevada carga tributária sobre empresas e consumidores, com risco de deprimir ainda mais a atividade econômica.
MENOS GASTOS
As mudanças nos benefícios trabalhistas e previdenciários (abono salarial, seguro-desemprego, seguro-defeso e pensão por morte) podem baixar os gastos federais em até R$ 18 bilhões neste ano, a depender das negociações com o Congresso. O corte do Orçamento ainda não foi definido, mas, se os gastos seguirem o padrão de contingenciamento observado nos primeiros meses do ano, a economia orçamentária pode beirar os R$ 58 bilhões, segundo cálculo do jornal Valor Econômico. O outro lado da moeda é que, num primeiro momento, a redução dos gastos públicos tem efeito recessivo sobre uma economia que já anda de lado.