Modulação de efeitos de decisões tributárias
Em texto antecedente sobre a modulação das decisões judiciais em matéria tributária que antecedeu o presente, apresentamos a matriz de pressupostos positivos e negativos que poderiam ser eleitos pelo legislador em prol da segurança jurídica visada por tal instituto.
Como lá adiantado, é nosso propósito analisar cada um desses pressupostos em uma sequência de textos, o que de imediato requer um corte metodológico: nos referiremos apenas à competência da Suprema Corte para modular os efeitos das decisões por ela proferidas, com efeitos transcendentes, seja em recurso extraordinário com repercussão geral, seja no controle principal e abstrato de (in)constitucionalidade.
Por ora, nos reteremos na legitimidade postulatória e nos meios processuais a ela inerentes, bem como no momento decisório da modulação dos efeitos. Desde logo afirmamos que, idealmente, a premissa basilar a guiar a implementação desses pressupostos – que se apresentam imbricados – deveria ser a concomitância temporal do julgamento da tese e do diagnóstico das condições que demandam a modulação, para decisão conjunta.
Ocorre que entre o estado da arte e a pragmática, há um imenso percurso.
A prática demonstra que os embargos de declaração têm sido o instrumento admitido para o enfrentamento desta técnica de julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF), desvirtuando a função típica desse recurso (suplantar omissão, obscuridade e contradição) e promovendo um descompasso temporal entre as soluções de mérito e de modulação.
Uma vez que desde a publicação da ata de julgamento do tema paradigma, a decisão produz efeitos próprios, aquela descontinuidade temporal cria um cenário de instabilidade e incerteza jurídica – como em recentes casos notórios.
Outro problema decorrente da modulação por meio dos embargos de declaração é o de que a limitação temporal da tese poderia trazer a reboque a modificação de conteúdo do julgado que já está produzindo seus efeitos, na contramão do propósito para o qual foi criado aquele recurso e, bem assim, o instituto da modulação.
Além disso, ao aceitar o manejo dos embargos de declaração como via de postulação da modulação, a Corte acaba por restringir a atuação de terceiros interessados a intervir no processo, como os amici curiae, impedidos de apresentar os declaratórios em tais situações, conforme assentado entendimento.
De se notar, então, que a solução prática adotada pela jurisprudência da Suprema Corte para compor a lacuna normativa vai de encontro a vetores basilares fixados pelo CPC/2015, dentre os quais, o contraditório prévio, a cooperação processual, a eficiência e a racionalidade na administração da justiça.
A solução para as questões quanto ao rito e à iniciativa (“a quem cabe postular?” e “por qual meio?”) e de apreciação (“em que tempo deve ser julgada?”) da modulação dos efeitos da decisão tomada pela Suprema Corte passa, necessariamente, pela observância daqueles vetores.
O amálgama de questionamentos e diretrizes, notadamente o contraditório prévio, nos impele à proposição de soluções quanto à legitimidade e ao meio processual adequados ao pleito modulatório, bem como ao momento para sua análise e julgamento:
- pedido das partes: (i) no bojo das razões ou contrarrazões de recurso extraordinário (ainda que como pedido subsidiário); (ii) na exordial da ação de controle principal e abstrato (ADI/ADC); (iii) na sustentação oral da sessão de julgamento do mérito, em prestígio à oralidade; ou (iv) por fato novo, a qualquer tempo, inclusive em embargos de declaração (como medida excepcional), até porque pode decorrer um considerável intervalo de tempo entre as razões das partes e a data do julgamento; como a modulação afetará decisões sobre a interpretação e a unidade da Constituição Federal, com eficácia transcendente, nada mais natural que aquele que a postula perante o STF disserte sobre o tema;
- pedido de terceiros interessados e admitidos no processo, como amici curiae: (i) já nas primeiras manifestações e antes do início do julgamento do mérito ou (ii) na sustentação oral da sessão de julgamento, em prestígio à oralidade;
- procedimento adotado pelo relator da repercussão geral: ao acolher a repercussão geral da matéria versada no recurso extraordinário, reconhecendo sua força transcendente e os possíveis impactos econômico, político, social ou jurídico, o relator da Suprema Corte deve(ria) abrir oportunidade às partes e aos terceiros interessados para ratificar ou não as anteriores razões sobre eventual modulação de efeitos;
- de ofício pelo STF: no silêncio das partes e de terceiros, a Corte Suprema tem a faculdade de deliberar sobre eventual modulação de ofício, mas deverá fazê-lo no momento da apreciação do mérito e da fixação da tese,como medida de racionalidade e eficiência processual;
- resolução sobre a modulação: prioritariamente de modo concomitante com a decisão de mérito, pois a modulação é técnica ligada à objetivação da eficácia do precedente;
- embargos de declaração: cabíveis (i) na típica hipótese legal, destinados a suprir eventual omissão da Corte que, mesmo provocada a tempo e modo pelas partes ou por terceiros a se manifestar sobre a modulação, não o faz quando do julgamento de fundo da matéria; ou (ii) na hipótese de fato superveniente.
Entendemos que tais diretrizes garantiriam um rito mais lógico e seguro para a modulação dos efeitos das decisões do STF, evitando a formação de um ambiente de incerteza e de aumento de litigiosidade – a contramão da própria função pacificadora dos precedentes.
Postas essas sugestões quanto à legitimidade, ao meio processual e ao momento da decisão moduladora, avançaremos no pressuposto relativo ao quórum decisório. Tema para o próximo texto da série “modulação”.
*Fonte: jota.info
CARLOS EDUARDO MAKOUL GASPERIN – Mestre em Direito Tributário.
FERNANDA DONNABELLA CAMANO DE SOUZA – Pós-Doutora pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
LIGIA REGINI – Especialista em Direito Tributário.