Inconstitucionalidade do fim da isenção do ICMS nas vendas para a União
Em 11 de agosto de 2021, o estado de São Paulo respondeu consulta de entidade representativa de setor econômico (RC 22699/2020) para reafirmar o fim da isenção do ICMS nas vendas de produtos farmacêuticos para tratamento do câncer, da AIDS, da gripe H1N1, para hemodiálise e doenças raras, bem como as vendas de produtos e equipamentos médico-hospitalares, quando realizadas para o Ministério da Saúde ou para Secretarias de Saúde dos demais estados e também as Secretarias Municipais de Saúde de todo o país.
Essas isenções de ICMS vigoraram em São Paulo nas últimas três décadas, baseadas nos Convênios CONFAZ 162/94, 01/99, 140/01, 10/02 e 73/10, mas foram revogadas pelo governador do estado em outubro de 2020, com a publicação dos Decretos nºs 65.254/20 e 65.255/20. O governador manteve a isenção exclusivamente para as vendas destinadas a hospitais públicos e santas casas. Recentemente, através do Decreto nº 65.718/21, ampliou a isenção também para uma lista seleta de entidades beneficentes que atendem o Sistema Único de Saúde (SUS).
O problema é que os fabricantes, importadores e distribuidores destes produtos farmacêuticos e médico-hospitalares, muitas vezes, não realizam as vendas diretamente para tais hospitais públicos e santas casas, ou mesmo para estas entidades beneficentes.
As licitações e compras governamentais são centralizadas pelo Ministério da Saúde e Secretarias de Saúde dos Estados e Municípios. Portanto, por ocasião do faturamento das vendas e entrega dos produtos, os fornecedores emitem nota fiscal destinada a tais Órgãos Públicos, que posteriormente fazem a redistribuição e logística para os hospitais públicos, santas casas e, por vezes, para entidades beneficentes (através de convênios).
Por esta razão, as vendas realizadas a partir do estado de São Paulo acabam sendo tributadas pelo ICMS, pois não são destinadas diretamente aos hospitais públicos e santas casas de todo o país, mas, antes disto, são entregues à União, Distrito Federal, Estados e Municípios.
Ou seja: por concentrar boa parte da importação, produção e distribuição de produtos farmacêuticos e médico-hospitalares, o estado de São Paulo acaba exportando ICMS para os demais entes da Federação.
Única exceção para as vendas faturadas e entregues diretamente a hospitais públicos e santas casas, além de vendas realizadas diretamente para Órgãos da Administração Pública do Estado de São Paulo, suas fundações e autarquias.
Nada mais arbitrário e inconstitucional, pois ofende o pacto federativo e a moralidade administrativa, ao conferir tratamento desigual para o ICMS em função da origem e do destino, vez que os Órgãos das Administração Pública da União, Distrito Federal, outros Estados e Munícipios serão obrigados a arcar com uma conta de ICMS que os Órgãos da Administração Pública paulista ficarão isentos.
Além disto, ao assinar os Convênios CONFAZ nº 162/94, 01/99, 140/01, 10/02 e 73/10, o Estado de São Paulo assumiu o compromisso de ratificá-los integralmente na sua legislação interna, e não pela metade ou, pior, criando regras novas não pactuadas previamente com os demais Estados no âmbito do CONFAZ. Uma leitura atenta a estes Convênios demonstra que nada permitia ao Governador do Estado de São Paulo criar as restrições à isenção do ICMS. O Governador inovou para o mal.
A Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, em defesa do Governador no âmbito da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2283328-09.2020.8.26.0000, atualmente em trâmite no Tribunal de Justiça de São Paulo, alega que o Convênio CONFAZ nº 42/16 permitiu aos Estados a redução dos benefícios fiscais de ICMS. De fato, este Convênio permitiu a redução, mas não a extinção da isenção do ICMS, nem tampouco permitiu que um Estado, unilateralmente, criasse regras e condições para fruição das isenções de ICMS não pactuadas previamente com os demais Estados no âmbito do CONFAZ.
O resultado não poderia ser outro: medicamentos de alto custo para tratamento de doenças graves e produtos médico-hospitalares para uso em cirurgias e demais tratamentos de saúde, inclusive hemodiálise, que antes gozavam de isenção integral do imposto, agora taxados injustamente pelo ICMS de São Paulo nas operações destinadas para União, Distrito Federal, demais Estados da Federação e Municípios de todo o país.
A Resposta a Consulta nº 22699/2020 divulgada recentemente pela Coordenadoria da Administração Tributária do Estado de São Paulo, ao ratificar o fim da isenção do ICMS para as vendas destes produtos farmacêuticos e médico-hospitalares para os Órgãos da Administração Pública de todo o país, única exceção feita à Administração Pública paulista, acentua ainda mais a inconstitucionalidade dos Decretos do Governador do Estado de São Paulo nºs 65.254/20 e 65.255/20.