Impactos setoriais da Reforma Tributária
O Grupo de Estudos de Políticas Tributárias (GEP), coordenado por Melina Rocha, Ana Carolina Monguilod e Frederico Bastos realizará, ao longo do primeiro semestre de 2021, uma série de eventos abertos e reuniões fechadas com o intuito de aprofundar as discussões sobre a reforma tributária no Brasil. O GEP conta agora com o inestimável apoio de Angelo de Angelis, Eduardo Fleury e Renata Emery, os quais têm participado da organização e condução das suas reuniões e atividades. Dentre essas atividades, o GEP recentemente inaugurou a sua série de reuniões setoriais para discussão dos projetos de reforma tributária em curso no país.
A ideia desses encontros é estimular uma agenda positiva com agentes de diversos setores da atividade econômica a fim de identificar preocupações, levantar dados e compreender as principais demandas dos setores com relação às propostas de reforma tributária.
No primeiro evento da série, trouxemos como convidados alguns representantes dos setores da saúde, da educação e especialistas que apresentaram e discutiram recente estudo do Banco Mundial sobre as propostas de reforma tributárias no Brasil e o seu impacto setorial.
Os relatos das reuniões setoriais serão publicados mensalmente nesta coluna e não pretendem criticar ou afiançar os dados e as opiniões expostas, mas sim expor, para a sociedade civil e para os interlocutores dos projetos, dados e percepções dos representantes de diferentes setores econômicos.
Novamente, verifica-se entusiasmo com uma possível reforma tributária, mas sem consenso sobre os caminhos para tanto.
No campo da educação, os principais pontos observados pelos representantes foram relacionados ao possível aumento da carga tributária para o setor e consequente aumento das mensalidades dos alunos da rede privada básica e superior. Sobre essa questão, o setor informou que, segundo pesquisa própria, cerca de 85% dos países que possuem tributo sobre o valor adicionado de bens e serviços (IVA) tributam a educação à alíquota reduzida ou de forma diferenciada.
Ainda sobre os dados trazidos pelo setor, mencionam a preocupação de que a possível reforma tributária onere significativamente a classe média, que reduziria o seu acesso à educação privada e, consequentemente, aumentaria a demanda e os custos para manutenção da rede pública de ensino. Conforme dados apresentados por representante do setor, atualmente, 75% dos alunos do ensino superior e 20% da rede básica estão inseridos na rede privada. Justificando esse contexto, observam que 80% dos alunos da rede privada têm renda familiar de até 5 salários-mínimos.
Outra preocupação externada, independentemente do projeto de reforma que venha a ser implementado, é a importância da manutenção do programa de bolsas do Prouni.
Segundo os representantes do setor, alguns projetos diminuiriam a atratividade ao programa e, por conseguinte, limitariam o acesso à educação das classes mais pobres, uma vez que reduziriam a oferta de bolsas.
No campo da saúde, os representantes também apontaram uma previsão de possível aumento da carga tributária e defenderam que a cadeia produtiva do setor teria incentivos em outros países. Segundo levantamento realizado pelo setor envolvendo 117 países, em 78% deles não há tributação sobre medical care / health care e em outros 4% há alíquota reduzida. A exceção concedida ao setor de saúde seria justificada por ser um serviço de interesse público.
Sobre esse ponto, é defendido pelo setor que um eventual aumento da carga tributária repercutiria em aumento das mensalidades dos planos de saúde, portanto mais custos para os usuários da rede privada. Informaram que o setor contratou estudos de análise econômica que concluem que qualquer um dos projetos de reforma tributária em tramitação (PEC 45, PEC 110 ou PL 3887) ensejariam aumento da tributação sobre o setor.
Na visão dos representantes da saúde, o possível aumento da carga tributária seria repassada ao usuário dos serviços (via mensalidade dos planos, por exemplo) e resultaria em uma possível migração do sistema privado para o sistema público. Esse possível aumento da demanda para o SUS refletiria em aumento dos custos com a manutenção do sistema público de saúde.
Na sequência, foram apresentados estudos realizados por Eduardo Fleury, que desenvolve análises de impactos de propostas de reforma tributária para o Banco Mundial. A pesquisa, realizada a partir do DRE Setorial do IBGE, conclui que um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) proporcionaria aumento nos preços dos serviços de educação de 12,96%, bem como aumento nos preços dos serviços de saúde de 6,62% (para hospitais) e 8,43% (para clínicas), tendo em vista o tratamento diferenciado de ambos os setores pelo sistema tributário atual.
Dentre as ponderações feitas, verifica-se alguns pontos em comum, tal como o receio de que o aumento da carga tributária onere demasiadamente o usuário final dos serviços e tenha como reflexo a migração do usuário do setor privado para o setor público, aumentando os gastos públicos com saúde e educação.
Outra percepção é a de que, à luz das experiências internacionais e da essencialidade de tais serviços, ambos os setores deveriam contar com algum tipo de regime incentivado (isenção, redução de alíquota, etc.). Essa demanda pode ser justificada pelo interesse público da questão, bem como pelo fato de que, especialmente nesses segmentos, existe a oferta pelo sistema público e privado. Contudo, pode-se reacender discussões antigas e litigiosas em matéria tributária sobre o que é saúde (Hospital? Academia? Nutricionista? Suplementos alimentares? Comidas saudáveis?) e educação (Escolas? Cursos de Idiomas? Professores particulares? Coachs?).
Em matéria tributária dificilmente encontraremos um projeto com a característica de one size fits all para todos os contribuintes. Por isso mesmo, seguiremos com as próximas rodadas de eventos setoriais do GEP a fim de identificarmos as principais questões de cada setor e contribuirmos com o debate público sobre as propostas de reforma tributária.
*Fonte: jota.info
FREDERICO BASTOS – Mestre em Direito dos Negócios pela FGV. Professor do GVlaw, Insper e Ibmec.
MELINA ROCHA – Diretora de Cursos na York University, doutora pela Université Sorbonne Nouvelle – Paris 3.
ANA CAROLINA MONGUILOD – Coordenadora do Grupo de Estudos de Políticas Tributárias (GEP) da FGV Projetos, diretora da ABDF (braço da International Fiscal Association no Brasil), membro do Conselho Editorial da Revista de Direito Tributário da ABDF e professora de direito tributário do Insper.